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Sobre Cornel West e a coragem da ternura

Em entrevista está semana para o New York Timesm, Cornel West, ao ser perguntado sobre o momento atual da canção e sobre aquilo que tem escutado recentemente, reafirmou sua predileção pela velha escola do rhythm  and blues, mas também exaltou o hip-hop no cenário contemporâneo (o texto traz um box com uma lista numerada:  1.Kendrick Lamar; 2. Logic; 3. Erykah Badu; 4. Jill Scott; 5. Raheem DeVaughn). Aproveitou para repetir um exemplo da mudança dos tempos entre sua geração e a atual: enquanto ele cresceu ouvindo “Try a little tenderness” de Otis Redding (ou outras canções de artistas como Marvin Gaye e Eddie Kendricks), atualmente, canções como “Say my name” de Destiny’s Child marcam uma grande mudança cultural na forma de se perceber as relações afetivas.

Numa palestra, bell hooks, ao ouvir Cornel West dizer que “Try a Little Tenderness” não é a mesma coisa que “Say My Name”, estendeu suas mãos para cumprimenta-lo e mostrar sua concordância…

A perspectiva de educação democrática de Cornel West incita quem o lê a buscar essas canções, a comparar e tentar entender o que seria essa transição cultural. A canção de Ottis Redding pedia ternura (tenderness): a sensibilidade e a delicadeza de procurar entender outra pessoa. Esta busca, por tornar-se mais sensível, reivindicada por cantores negros como Otis Redding, tinha um sentido corajoso de autocriação que fugia aos esteriótipos machistas.

Em verdade, se relembrarmos o que Cornel West disse em um discurso otimista durante o Ocuppy Wall Street em 2011, vamos perceber como essa ternura pode ser  pensada em sentido de transformação política. Na ocasião ele fez um balanço esperançoso de que crise global trouxesse um novo começo. Hoje sabemos que o governo de gangsters tornou-se regra.  O filósofo norte-americano considerava que “a bancarrota em grande escala da ordem neoliberal – de mercados desregulados, incontáveis oligarcas, políticos comprados – é agora um fato estabelecido na vida e na história. Sua era está chegando ao fim. Nossa profunda iluminação democrática deve nos separar de estruturas intelectuais estreitas e de hábitos culturais paroquiais. Como os inventores do jazz, devemos ser abertos, flexíveis, fluidos, inclusivos, transparentes, corajosos, autocríticos, compassivos e visionários. Devemos reformular as antigas noções de império, classe, raça, gênero, religião, orientação sexual e natureza, em novas formas de pensar e ser. Nosso movimento é uma preciosa, sublime, bagunçada e funky, forma de incubação. Novamente, como o jazz, devemos encarnar e promulgar um abraço amoroso da arte de nossas criações colaborativas. Devemos incorporar um abraço universal de todos aqueles na família humana e de seres dotados de sensibilidade e consolidar uma força imparável diante do sistemas de opressão e das estruturas de dominação. Vamos sofrer, estremecer e lutar juntos, com sorrisos em nossos rostos e um amor supremo em nossas almas. Assim como a justiça é como o amor aparece em público, a ternura é como é sentido em privado, profunda revolução democrática é como a justiça aparece na prática”.

A versão de Cássia Eller com legendas da letra traduzida

Ora, mas por qual motivo “Say my name” marcaria uma mudança de sensibilidade? Essa seria uma transição cultural em que a insensibilidade em relação ao outro – marca do tempo do  governo dos gangsters – tornou-se o lugar comum? A falta de cuidado para com o outro são enunciadas de forma bem distinta na canção de Beyonce e cia.

Mas a ternura não é uma forma de “desengajamento”: Cornel West faz questão de lembrar que na descrição que James Baldwin fez de Malcolm X, este último era o homem mais terno que havia conhecido. Embora a imagem pública e as palavras de Malcolm X não sejam ternas, isso não significa que ele não tinha essa sensibilidade. Cultivar essa capacidade sensível de se identificar com o outro em privado, é fortalecer a solidariedade para lutar pela justiça em termos amplos.

P.S.:Não passa despercebido que no mesmo dia 29 de Novembro em que Cornel West foi entrevistado, Jay-Z também falou para o New York Times numa longa entrevista em que admitiu pela primeira vez publicamente ter traído Beyonce. Nessa longa entrevista, Jay-Z fala de como é ser negro nos EUA e da necessidade de manter uma identidade racial, das dificuldades de olhar para si mesmo e perceber os próprios sentimentos quando se está no “modo sobrevivência”.  É simbólico que tanto Beyonce quanto Jay-Z tenham gravado álbuns confessionais sobre as dificuldades do casamento e seguido juntos.

Marcos Carvalho Lopes

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