W. E. B. Du Bois
trad. Marcos Carvalho Lopes

O negro norte-americano tem sentido sempre um intenso interesse pessoal sobre as discussões acerca das origens e destinos das raças: em primeiro lugar, porque por trás da maioria das discussões que lhes são familiares acerca deste tema, escondem-se determinadas pressuposições sobre suas habilidades naturais ou sobre sua situação política, intelectual e moral, que ele percebe que estão erradas. Ele tem sido levado, consequentemente, a depreciar e minimizar as distinções raciais, acreditando intensamente que todas as nações foram criadas pelo indivisível sangue de Deus e falando da fraternidade humana como se essa fosse a possibilidade de um alvorecer para o dia seguinte.
No entanto, em momentos mais calmos, devemos reconhecer que os seres humanos são divididos em raças; e que neste país os dois tipos mais extremos de raças do mundo se encontraram, e o problema resultante, quanto às futuras relações entre esses tipos, não é apenas de interesse intenso e vivo para nós, mas marcam uma época da história da humanidade.
É necessário, portanto, planejar nossos movimentos, orientar nosso desenvolvimento futuro, que às vezes nos elevemos acima das questões urgentes, mas menores, como a separação de escolas e carros, a discriminação salarial e a lei do linchamento, para examinar toda a questão da raça na filosofia humana e estabelecer, com base em amplo conhecimento e intuição atenta, aquelas grandes linhas de políticas e ideais mais elevados que podem formar nossas diretrizes e delimitações nas dificuldades práticas de cada dia. Pois é certo que todo esforço humano deve reconhecer os limites rígidos da lei natural, e que qualquer esforço, não importa quão intenso e sério, é infrutífero quando vai contra a configuração do mundo. Portanto, as questões, que devemos considerar seriamente são: qual é o significado real da Raça; o que foi, no passado, a lei do desenvolvimento racial e que lições ensina ao povo negro em ascensão a história passada do desenvolvimento racial?
Quando começamos a investigar a diferença essencial entre as raças percebemos como é difícil chegar afinal a uma conclusão definitiva. Muitos critérios de diferença racial foram propostos no passado, como cor, cabelo, medidas cranianas e linguagem. E, é evidentemente que, em cada um desses aspectos, os seres humanos têm muitas diferenças. Eles variam quanto a cor, por exemplo, da palidez de mármore dos escandinavos aos intenso castanho-escuro dos zulus, passando pela tonalidade cremosa dos eslavos, os chineses amarelos, os sicilianos marrons-claros e os egípcios marrons.Os homens também variam na textura do cabelo, desde o cabelo obstinadamente macio dos chineses até o cabelo crespo obstinado e tufado do bosquímano. Quanta a medida dos crânios também há variações; do tártaro de cabeça larga ao europeu de cabeça média e do hotentote de cabeça estreita; ou, novamente há variações quanto a linguagem, da língua romana altamente flexionada para o chinês monossilábico. Todas essas características físicas são suficientemente patentes e, se elas concordassem entre si, seria muito fácil classificar a humanidade. Infelizmente para os cientistas, no entanto, esses critérios de raça são exasperantemente misturados. A cor não concorda com a textura do cabelo, pois muitas das raças escuras têm cabelos lisos; nem a cor concorda com a largura da cabeça, pois o tártaro amarelo tem uma cabeça mais larga que a alemã; nem, mais uma vez, a ciência da linguagem ainda conseguiu esclarecer a autoridade relativa desses vários e contraditórios critérios. A palavra final da ciência, até agora, é que temos pelo menos duas, talvez três grandes famílias de seres humanos – os brancos e os negros, possivelmente a raça amarela. Que outras raças surgiram da mistura do sangue dessas duas. Essa ampla divisão das raças do mundo, que homens como Huxley e Raetzel introduziram como quase tão verdadeira quanto o esquema antigo de cinco raças de Blumenbach, nada mais é do que um reconhecimento de que, no que diz respeito às características puramente físicas, as diferenças entre os homens não explicam todas as diferenças de sua história. Declaram, como fez o próprio Darwin, que ainda que sejam grandes as desigualdades físicas das várias raças de homens, suas semelhanças são maiores, e sobre isso repousa toda a doutrina científica da Fraternidade Humana.
Apesar dos maravilhosos progressos da história humana ensinarem que as diferenças físicas mais grosseiras quanto a cor, o cabelo e os ossos, são apenas um pequeno caminho para explicar os diferentes papéis que grupos de homens desempenharam no Progresso Humano, ainda assim, existem diferenças – embora possam ser sutis, delicadas e esquivas – que silenciosamente, mas definitivamente, separaram os homens em grupos. Embora essas forças sutis geralmente tenham seguido a clivagem natural de sangue comum, descendência e peculiaridades físicas, elas em outras ocasiões os atravessaram e ignoraram. Em todos os momentos, no entanto, elas dividiram os seres humanos em raças, que, embora talvez transcendam a definição científica, aparecem claramente definidas aos olhos do historiador e do sociólogo.
Se isto é verdade, então a história do mundo é a história, não de indivíduos, mas de grupos, não de nações, mas de raças, e aquele que ignora ou procura anular a ideia de raça na história humana ignora e deixa de lado o conceito central para pensar toda a história. O que, então, é uma raça? É uma vasta família de seres humanos que, geralmente, compartilham o parentesco e uma língua, e sempre, história, tradições e impulsos comuns, e que lutam voluntariamente e involuntariamente pela realização de certos- mais ou menos vigorosamente concebidos – ideais de vida.
Voltando à história real, não pode haver dúvida, em primeiro lugar, quanto à predominância generalizada, ou melhor, universal da ideia de raça, o espírito de raça, o ideal de raça, e quanto à sua eficiência como a mais vasta e engenhosa invenção para o progresso humano. Nós, que fomos educados e treinados sob a filosofia individualista da Declaração de Independência e da filosofia laisser-faire de Adam Smith, relutamos em ver e em reconhecer esse fato patente da história humana. Vemos os faraós, os Césares, os Toussaints e os Napoleões da história e esquecemos as vastas raças das quais eles eram apenas expressões representativas. Estamos aptos a pensar em nossa impaciência norte-americana, que embora possa ter sido verdade no passado que grupos de raças fechadas fizeram história, que aqui na conglomerada América do Norte, nous avons changer tout cela (nós mudamos tudo isso), e não precisamos desses antigos instrumentos de progresso. Essa suposição, em relação a qual o povo negro é especialmente apaixonado, não pode ser sustentada depois de uma consideração cuidadosa da história.
Hoje encontramos no cenário mundial oito raças bem diferenciadas, no sentido em que a História nos diz que a palavra deve ser usada. São eles, os eslavos da Europa oriental, os teutões da Europa Central, os ingleses da Grã-Bretanha e da América, as nações românicas da Europa meridional e ocidental, os negros da África e da América, os semitas da Ásia Ocidental e do norte da África, Hindus da Ásia Central e os mongóis da Ásia Oriental. Há, é claro, outros grupos raciais menores, como os índios americanos, os esquimós e os insulares do Mar do Sul; essas raças maiores também estão longe de serem homogêneas; o eslavo inclui o checo, o magiar, o polaco e o russo; o teutão inclui o alemão, o escandinavo e o holandês; os ingleses incluem o escocês, o irlandês e o conglomerado próprio norte-americano. Nas nações românicas estão incluídos tipos amplamente diferenciados como o francês, o italiano, o siciliano e o espanhol. O termo negro é, talvez, o mais indefinido de todos, combinando os mulatos e zambos da América do Norte e os egípcios, bantos e bosquímanos da África. Entre os hindus há vestígios de nações muito diferentes, enquanto as grandes famílias chinesas, tártaras, coreanas e japonesas se enquadram na única designação – mongol.
A questão agora é: qual é a verdadeira distinção entre essas nações? São as diferenças físicas de sangue, cor e medidas cranianas? Certamente, todos nós devemos reconhecer que as diferenças físicas desempenham um papel importante, e que, com grandes exceções e qualificações, essas oito grandes raças de hoje seguem a clivagem das distinções da raça por aspectos físicos; os ingleses e os teutões representam a variedade branca da humanidade; o mongol, o amarelo; os negros, os pretos. Entre estes estão muitos cruzamentos e misturas, como a entre mongóis e teutões que gerou os eslavos, e com outras misturas produziram as nações românicas e os semitas. Mas enquanto as diferenças raciais seguiram principalmente as linhas raciais físicas, ainda assim, nenhuma mera distinção física realmente definiria ou explicaria as diferenças mais profundas – a coesão e a continuidade desses grupos. As diferenças mais profundas são diferenças espirituais e psíquicas – indubitavelmente baseadas nos aspectos físicos, mas infinitamente transcendendo-as. As forças que unem as nações teutônicas são, então, em primeiro lugar, sua identidade racial e sangue comum; em segundo lugar, e mais importante, uma história comum, leis comuns e religião, hábitos semelhantes de pensamento e um esforço consciente em conjunto para certos ideais da vida. Todo o processo que trouxe essas diferenciações raciais tem sido um desenvolvimento, cuja grande característica tem sido a distinção entre as diferenciações espirituais e mentais entre as grandes raças da humanidade e a integração das diferenças físicas.
A época das tribos nômades de indivíduos com forte de laço de parentesco representa o máximo de diferenças físicas. Eram famílias vastas e havia tantos grupos quanto famílias. Quando as famílias se uniram para formar cidades, as diferenças físicas diminuíram, a pureza do sangue foi substituída pela exigência de domicílio e todos os que viviam dentro dos limites da cidade passaram a ser gradualmente considerados como membros do grupo; ou seja, houve uma ligeira e lenta quebra de barreiras físicas. Isso, no entanto, foi acompanhado por um aumento das diferenças espirituais e sociais entre as cidades. Uma cidade se caracterizou por seus lavradores, outra por seus mercadores, outra por seus guerreiros e assim por diante.Os ideais de vida pelos quais as diferentes cidades lutaram eram diferentes. Quando finalmente as cidades começaram a se unir e formar as nações, houve outra quebra de barreiras que separavam grupos de homens. As diferenças maiores e mais amplas de cor, cabelo e proporções físicas não foram de modo algum ignoradas, mas miríades de pequenas diferenças desapareceram, e as raças humanas sociológicas e históricas começaram a aproximar-se da atual divisão racial como indicam as pesquisas físicas. Ao mesmo tempo, as diferenças espirituais e físicas dos grupos raciais que constituíam as nações tornaram-se profundas e decisivas. A nação inglesa representava a liberdade constitucional e a liberdade comercial; a nação alemã voltou-se para ciência e a filosofia; as nações românicas representavam a literatura e as artes, e os outros grupos raciais empenham-se, cada um a seu modo, em desenvolver para a civilização sua mensagem particular, ideal particular, que ajudará a guiar o mundo para cada vez mais pérto da perfeição da vida humana, pelo qual todos nós desejamos, aquele “remoto evento Divino”.
Esta tem sido a função das diferenças raciais até o presente momento. Qual deve ser a sua função no futuro? Manifestamente algumas das grandes raças de hoje – particularmente a raça negra – ainda não deram à civilização a completa mensagem espiritual que são capazes de oferecer. Não direi que a raça negra ainda não deu nenhuma mensagem ao mundo, pois ainda é uma questão debatida entre os cientistas sobre até que ponto a civilização egípcia era negra em sua origem; se não fosse totalmente negra, certamente estava a ela intimamente ligada. Seja como for, ainda permanece valida a afirmação de que a mensagem completa da raça ainda não foi dada ao mundo. Também as mensagens e os ideais da raça amarela não foram completados e a luta dos poderosos eslavos só começou. A questão então é: como essa mensagem será entregue? Como esses vários ideais serão realizados? A resposta é clara: pelo desenvolvimento desses grupos raciais, não como indivíduos, mas como raças. Para o desenvolvimento do gênio, da literatura e da arte japonesas, o espírito japonês, apenas o japonês trabalhando em comum e inspirados por um vasto ideal, podem elaborar em sua plenitude a maravilhosa mensagem que o Japão tem a ofertar para as nações da terra. Para o desenvolvimento do gênio negro, da literatura e da arte negra, do espírito negro, apenas os negros trabalhando em comum e inspirados por um vasto ideal, podem desenvolver em sua plenitude aquela grande mensagem que temos para a humanidade. Nós não podemos reverter a história; estamos sujeitos às mesmas leis naturais que as outras raças, e se o negro é um fator na história do mundo – se entre as bandeiras de cores alegres que cobrem as amplas muralhas das civilizações, se deve pendurar um negro intransigente, então deve ser colocado lá por mãos negras, formado por cabeças negras e consagrado pela labuta de duzentos milhões de corações negros batendo em uma alegre canção de júbilo.
Por essa razão, a guarda avançada do povo negro – as oito milhões de pessoas de sangue negro nos Estados Unidos da América – deve logo perceber que, se quiserem tomar o seu lugar justo na van do pan-negrismo, então o seu destino NÃO é absorção pelos americanos brancos. Isto se na América do Norte se provar pela primeira vez no mundo moderno que não só os negros são capazes de produzir homens singulares como Toussaint, o Salvador, mas são uma nação que acumula tesouros com maravilhosas possibilidades de cultura, então seu destino não é um imitação servil da cultura anglo-saxônica, mas uma originalidade firme que seguirá inabalavelmente os ideais dos negros.
Pode-se, no entanto, objetar aqui que a situação de nossa raça na América do Norte torna essa atitude impossível; que nossa única esperança de salvação está em podermos perder nossa identidade racial no sangue da nação; e que qualquer outro curso apenas aumentaria a fricção de raças que chamamos de preconceito racial e contra as quais lutamos tanto e tão sinceramente.
Aqui está, então, o dilema, e é intrigante, admito. Nenhum negro que tenha pensado seriamente sobre a situação de seu povo na América do Norte deixou de, em algum momento da vida, se encontrar nessas encruzilhadas; não deixou de perguntar em algum momento: o que, afinal de contas, sou eu? Eu sou norte-americano ou sou negro? Eu posso ser os dois? Ou é meu dever deixar de ser um negro o mais rápido possível e ser um norte-americano? Se eu me esforço como negro, não estou perpetuando a fissura que ameaça e separa a América do Norte em Negra e Branca? Meu único objetivo prático não é a renúncia de tudo o que é negro em mim em benefício do que é norte-americano? Meu sangue negro me impõe mais obrigações na afirmação de minha nacionalidade do que o sangue alemão, irlandês ou italiano?
É este incessante autoquestionamento e a hesitação que dele surge, que está tornando o presente período um tempo de vacilação e contradição para o negro norte-americano; a solidariedade racial é sufocada, a responsabilidade racial é aniquilada, os empreendimentos raciais definham, e o melhor sangue, os melhores talentos, a melhor energia do povo negro não pode ser organizada para fazer o que precisa ser feito pela raça. Os melhores se afastam para dar lugar a todos os patifes e demagogos que escolhem encobrir seu diabólico egoísmo sob o véu do orgulho racial.
Isto está certo? Isso é racional? É uma boa política? Temos na América uma missão distinta como raça – uma esfera distinta de ação e uma oportunidade para o desenvolvimento racial –, ou é a auto-obliteração o mais alto objetivo ao qual o sangre Negro pode aspirar?
Se considerarmos cuidadosamente o que realmente é o preconceito racial, achamos que, historicamente, não é mais do que o atrito entre diferentes grupos de pessoas; é a diferença no objetivo, no sentimento, nos ideais de duas raças diferentes; se, agora, estas diferenças existirem em um mesmo território, com leis, línguas ou mesmo religiões, é evidente que estes povos não podem viver no mesmo território sem colisão fatal; mas se, por outro lado, houver acordo substancial quanto as leis, idioma e religião; se há um ajustamento satisfatório da vida econômica, então não há razão para que, no mesmo país e na mesma rua, dois ou três grandes ideais nacionais não possam prosperar e se desenvolver, que homens de diferentes raças não possam lutar juntos por suas ideais raciais também, e talvez até melhor, do que isoladamente. Nisto, parece-me, está a chave do enigma que confunde tantos de nós. Somos norte-americanos, não só pelo nascimento e pela cidadania, mas por nossos ideais políticos, nossa língua, nossa religião. Mas para além disto, nosso norte-americanismo não vai. Nesse ponto, somos negros, membros de uma vasta raça histórica que está adormecida desde os primórdios da criação, mas que começou a despertar nas florestas escuras de sua pátria africana. Somos os primeiros frutos desta nova nação, o precursor daquele amanhã negro que ainda está destinado a suavizar a brancura dos teutônicos de hoje. Nós somos o povo cujo sutil senso de canto deu à América do Norte a própria música norte-americana, seus próprios contos de fadas norte-americanos, seu toque próprio de drama e humor em meio à sua louca plutocracia que gera dinheiro. Como tal, é nosso dever conservar nossos poderes físicos, nossos dotes intelectuais, nossos ideais espirituais; como raça, devemos nos esforçar pela organização racial, pela solidariedade racial, pela unidade racial, até a realização daquela humanidade mais ampla, que reconhece livremente as diferenças entre os homens, mas deprecia duramente a desigualdade nas oportunidades de desenvolvimento.
Para a realização desses fins, precisamos de organizações raciais: faculdades negras, jornais negros, organizações empresariais negras, uma escola negra de literatura e arte e uma câmara de compensação intelectual, para abrigar todos estes produtos da mente negra, que podemos chamar de Academia Negra. Isso não é tudo que é necessário para um avanço positivo, mas é absolutamente imperativo para fazer frente as condições negativas. Não nos enganemos sobre nossa situação neste país. Carregados com uma herança de iniquidade moral de nossa história passada, pressionados no mundo econômico por imigrantes estrangeiros e por preconceitos dos nativos, odiados aqui, desprezados acolá e motivando piedade de toda parte; nosso único refúgio está em nós mesmos, e com apenas um meio para avançar, a própria crença em nosso grande destino, nossa autoconfiança implícita em nossa capacidade e valor. Não há poder sob os altos céus de Deus que possa impedir o avanço de oito milhões de pessoas honestas, sinceras, inspiradas e unidas. No entanto – e aqui está a dificuldade –, estas pessoas devem ser honestas, criticando sem medo suas próprias falhas, corrigindo-as com zelo; elas devem ser sérias. Nenhuma povo que ri de si mesmo e se ridiculariza e roga a Deus para ser qualquer coisa menos ele mesmo, escreveu seu nome na história; o povo DEVE estar inspirado com a fé divina de nossas mães negras, que do sangue e poeira da batalha marchará um exército vitorioso, uma nação poderosa, um povo peculiar, para falar às nações da terra uma verdade divina que os libertará. E tal povo deve estar unido; não meramente unidos pelo roubo organizado de despojos políticos, não unidos para desonrar a religião com os que se prostituem e os que são cabos eleitorais; não unidos apenas para protestar e aprovar resoluções, mas unidos para impedir a devastação do consumismo entre os negros, unidos para evitar que os meninos negros vadiassem, jogassem e cometessem crimes; unidos para proteger a pureza das mulheres negras e reduzir o vasto exército de prostitutas negras que hoje marcha para o inferno; e unidos em organizações sérias, para determinar por assembleias bem organizadas e através da troca reflexiva de opiniões que engendrem as linhas mestras de política e de ação para o Negro Norte-americano.
Essa é a razão de ser da Academia Negra Norte-americana. Ela visa ao mesmo tempo ser o epítome e expressão do intelecto das pessoas de sangue negro da América do Norte, edificando-se como expoente dos ideais de uma das grandes raças do mundo. Como tal, a Academia precisa, se for bem-sucedida, ser
a) Representativa em seu caráter.
b) Imparcial na conduta.
c) Firme na liderança.
Deve ser de caráter representativo; não porque represente todos os interesses ou todas as facções, mas na medida em que procura compreender algo do melhor pensamento, com o esforço mais altruísta e os ideais mais elevados. Estão espalhados em cantos e recantos esquecidos por toda essa terra, negros de considerável formação, de elevadas mentes e grande motivação, desconhecidos de seus semelhantes, que exercem pouca influência. A Academia Negra deve se esforçar para facilitar o contato destes homens com os demais, proporcionando-lhes um porta-voz comum.
A Academia deve ser imparcial sem sua conduta; embora pretenda exaltar o povo, deve procurar fazê-lo pela verdade – não por mentiras, mas honestamente – não por bajulação. Deve continuamente se gravar o fato de que o povo negro não deve esperar que as coisas sejam feitas por eles – DEVEM FAZER POR SI MESMO; que eles têm em mãos um vasto trabalho de autoreforma, e que se o fazem com um pouco menos de reclamação e lamentação, e um pouco mais de trabalho obstinado e viril, nos proporcionarão maior crédito e benefício do que milhares de declarações de força ou de direitos civis.
Finalmente, a Academia Negra Norte-americana deve apontar um caminho prático de avanço para o povo negro; caem hoje sobre todo negro centenas de questões políticas e jurídicas que exigem uma resposta e que hoje são tratadas, não de acordo com qualquer regra, mas por impulsos ou preferências individuais; por exemplo: Qual deveria ser a atitude dos negros em relação à qualificação educacional dos eleitores? Qual deve ser nossa atitude em relação à segregação nas escolas? Como devemos enfrentar as discriminações nas ferrovias e nos hotéis? Este tipo de questões não precisa de respostas específicas contextuais, mas de uma concepção geral de política, e ninguém deveria estar mais preparado para anunciar tal política do que uma representativamente honesta Academia Negra.
Tudo isso, no entanto, deve ser colocado em prática depois de uma organização cuidadosa e longa negociação. O trabalho mais imediato a nossa frente deve ser prático e influenciar diretamente a situação do negro. O trabalho histórico de coletar as leis dos Estados Unidos e dos vários Estados da União em relação ao negro é uma obra de tamanha magnitude e importância que nenhum corpo, a não ser um como este, poderia pensar em empreendê-la. Se pudéssemos realizar essa tarefa, teríamos justificado nossa existência.
No campo da Sociologia, um trabalho aterrador está diante de nós. Em primeiro lugar, devemos enfrentar com firmeza e coragem a verdade, não com desculpas, mas com seriedade sincera. A Academia Negra deveria elaborar uma nota de advertência que ecoaria em todas as moradas de negros nesta terra: ou dominamos nossos vícios atuais, ou eles nos dominarão; estamos doentes, estamos desenvolvendo tendências criminosas e uma porcentagem assustadoramente grande de nossos homens e mulheres é sexualmente impura.A Academia Negro deve subir nos telhados e proclamar isso, chorando com Garrison[1]: não vou me enganar, não vou recuar nem uma única polegada e serei ouvido. A Academia deve procurar a convergência acerca disso dos homens talentosos e altruístas, das mulheres puras e nobres, para lutar contra um exército de demônios que desgraçam nossa masculinidade e nossa feminilidade. Não existe hoje na Terra de Deus uma raça mais capaz nos músculos, no intelecto, na moralidade, do que o negro norte-americano, se ele dirigir suas energias na direção certa; se ele
Superar o injusto obstáculo de seu nascimento,
e agarrar as saias do feliz acaso,
dominar o golpe das circunstâncias
e lidar com a sua má estrela.
Ciência e moral, indiquei dois campos de trabalho para a Academia. Finalmente, na política prática, gostaria de sugerir o seguinte CREDO ACADEMICO:
1. Acreditamos que o povo negro, como raça, tem uma contribuição para oferecer à civilização e à humanidade, que nenhuma outra raça pode fazer.
2. Acreditamos que é dever dos norte-americanos de ascendência negra, como um corpo, manter sua identidade racial até que essa missão do povo negro seja cumprida e o ideal da fraternidade humana tenha se tornado uma possibilidade prática.
3. Acreditamos que, a menos que a civilização moderna seja um fracasso, é totalmente viável e praticável para duas raças que tem essencialmente convergência em termos políticos, econômicos e religiosos – como as pessoas brancas e de cor na América –, desenvolver conjuntamente, em paz e felicidade mútua, a contribuição peculiar que cada uma deve oferecer à cultura de seu país comum.
4. Como relação aos meios para obter este fim, nós defendemos, não um tipo de igualdade social entre estas raças que desconsideraria os gostos e desgostos humanos, mas um equilíbrio social que estaria presente em todas as complicadas relações da vida, com a devida e justa consideração da cultura, da capacidade e do valor moral, quer sejam encontrados sob a pele branca ou negra.
5. Acreditamos que o primeiro e mais importante passo em direção à solução do presente atrito entre as raças – comumente chamado de problema negro – reside na correção da imoralidade, do crime e da preguiça entre os próprios negros, que ainda permanece como herança da escravidão. Acreditamos que apenas esforços contínuos e sérios de nossa parte podem curar esses males sociais.
6. Acreditamos que o segundo grande passo em direção a um melhor ajuste das relações entre as raças deveria partir de uma seleção mais imparcial das habilidades requeridas no mundo econômico e intelectual, assim como de um maior respeito pela liberdade e pelo valor pessoal, independentemente da raça. Acreditamos que apenas os esforços sinceros por parte dos brancos deste país poderão propiciar a necessária reforma nesses assuntos.
7. Com base na declaração anterior e firmemente convencidos de nosso alto destino, nós, como negros norte-americanos, estamos decididos a lutar com todos os meios lícitos ao nosso alcance pela obtenção dos melhores e mais elevados objetivos, para o desenvolvimento de forte masculinidade e pura feminilidade, e para a criação de uma raça ideal na América e na África, para a glória de Deus e a elevação do povo negro.
[1] Referência ao abolicionista William Lloyd Garrison (1805-1879) que em 1931 no editorial do jornal antiescravagista The Liberator sentenciou: “Estou ciente de que muitos se opõem à gravidade da minha linguagem; mas não há motivo para gravidade? Eu serei tão dura quanto a verdade e tão intransigente quanto a justiça. Sobre este assunto, não desejo pensar, falar ou escrever com moderação. Não! Não! Diga a um homem cuja casa está em chamas para dar um alarme moderado; diga-lhe para resgatar moderadamente sua esposa das mãos do violador; diga à mãe para libertar gradualmente seu bebê do fogo no qual ele caiu; – mas me exorte a não usar moderação em uma causa como o presente. Sou sincero – não vou me enganar – não vou desculpar – não vou recuar nem uma polegada – e serei ouvido. A apatia do povo é suficiente para fazer com que cada estátua salte de seu pedestal e apresse a ressurreição dos mortos.” (Nota do tradutor).