0

Aceitar a dor. Quando banhar-se em lágrimas cura as feridas mais profundas

Sobonfu Somé

Para muitas pessoas, a tristeza é uma opção. Olhando para minha própria vida, percebi que é uma questão de vida ou morte. Na verdade, ao longo da minha existência, a dor sempre foi um tema central, desde o choro infantil por comida até a profunda angústia pelas perdas que vivi ao crescer. Minha primeira lembrança de um luto intenso foi quando eu tinha cinco ou seis anos. Um de meus amigos morreu. Fiquei tão chocada e confusa com tudo, especialmente quando me disseram que nunca mais o veria fisicamente. Chorei por muito tempo, e não conseguia entender que ele havia partido. Todos os dias, eu esperava brincar com ele, mas ele não estava lá. Minha comunidade me lembrava com delicadeza: “Lembra que ele morreu?” Eles me apoiavam e choravam comigo. Apesar de eu ter chorado por mais de um ano, isso era visto como algo natural da vida. Nunca me pediram para parar de chorar; pelo contrário, perguntavam: “Já chorou o suficiente? Já gritou o bastante?”

Para meu povo, os Dagara de Burkina Faso, acreditamos que chorar é necessário na vida. Quando choro, estou cercada por familiares que me acompanham, e posso chorar à vontade. Vivemos conflitos, perdemos entes queridos, temos sonhos que nunca se realizam, enfrentamos doenças, relacionamentos quebrados e desastres naturais inesperados. É essencial encontrar formas de liberar essas dores para manter nosso equilíbrio. Ignorar uma dor antiga só faz com ela cresça até sufocar nossa criatividade, alegria e capacidade de conexão com os outros. Pode até nos matar. Minha comunidade frequentemente usa rituais de luto para curar feridas e nos abrir ao chamado do espírito.

Eu achava que essa perspectiva sobre a dor era natural para todos, até chegar aos Estados Unidos. Certa vez, estava com uma amiga que havia tido um conflito familiar e sabia que a situação era difícil para ela. Um dia, ouvi-a chorando sozinha no banheiro. Através da porta, perguntei se ela estava bem. Ela respondeu: “Sim, estou bem!” Pensei: “Meu Deus, algo aqui não faz sentido.” As pessoas que deveriam apoiá-la não estavam presentes. Senti o conflito e me perguntei: “O que minha avó faria nesta situação?”

Quando minha avó morreu, eu era adolescente. Fui dominada por uma dor imensa e devastadora, que não conseguia superar. Estava bloqueada por raiva, traição e até ódio. Questionava: “Como minha avó pôde me fazer isso?” Todos ao meu redor se lamentavam. Deram-me espaço. Todos se revezavam para me confortar. Felizmente, as 72 horas tradicionais de luto se estenderam por cinco dias. Quando todos terminaram, eu ainda precisava chorar muito, e as pessoas continuaram ali para me acompanhar. Embora meu luto tenha começado tarde, nunca me senti constrangida por quem estava ao meu redor. É natural que as pessoas chorem quando você chora. Sabemos que a tristeza não é apenas sua – é do grupo. Vivemos uma sensação coletiva, para que ninguém carregue sozinho o peso do sofrimento.

Anos depois, morando nos EUA, enfrentei uma crise em um relacionamento. Sentia que estava morrendo. Percebi que estava sozinha em minha dor: alma, coração e mente em colisão constante. Não encontrava uma explicação intelectual para meu sofrimento. Encontrei alívio em diversas comunidades locais e, ao voltar para casa, todos me acompanharam no luto. De repente, senti-me mais leve.

Há um preço por não expressar a tristeza. Imagine se nunca lavássemos roupas ou tomássemos banho. As toxinas acumuladas diariamente nos deixariam fétidos. O mesmo ocorre com as toxinas emocionais e espirituais. Quanto mais elas crescem, mais tendemos a culpar ou machucar os outros. Ninguém ataca alguém por alegria: quem fere está demasiado machucado ou aflito.

A tristeza reprimida pode nos entorpecer, com emoções ignoradas e enterradas em nossos corpos. Dores não expressadas ferem nossa alma e estão ligadas à aridez espiritual, confusão emocional e até doenças. Muitas condições médicas estão ligadas à dor reprimida. Chorar, seja em privado ou em comunidade, traz benefícios comprovados: desde redução da pressão arterial e risco de infartos até uma vida com mais qualidade.

Precisamos enxergar a tristeza e o luto não como inimigos a serem combatidos, mas como processos naturais. Também devemos entender que é saudável expressar a dor.

No mundo atual, carregamos tristezas que nem conhecemos. Fomos ensinados desde cedo a não sentir. No Ocidente, dizem que “ser bom” significa resignação e silêncio. Assim, até com amigos íntimos, podemos nos sentir um fardo. Chorar em público é um tabu. Aprendemos a esconder a dor, pois expressá-la em lugares inadequados gera mais sofrimento. Ensinam que nossos próximos não sabem nos acompanhar no desespero.

Nascemos sabendo chorar. Choramos naturalmente para aliviar a alma. Se todos pudermos chorar abertamente, a culpa e a vergonha culturais diminuirão. Quando vemos alguém sofrendo, não vemos cor – é uma linguagem universal. Todos sofremos. Não há por que culpar outros. Culpa e vergonha vêm da incapacidade de expressar a tristeza. Como ser feliz, pacífico e amoroso com tanta dor acumulada?

Acredito que o futuro do mundo depende de como lidamos com nossa dor. Expressá-la de forma positiva é terapêutico. Já a repressão ou o manejo inadequado estão na raiz da infelicidade, depressão, guerras e crimes.

Podemos agir para ajudar a curar a sociedade. Comece aceitando sua própria tristeza e a do outro. Criar salas de luto em espaços públicos, onde pessoas possam chorar. Vi isso em comunidades nos EUA e trabalhei com elas. Igrejas e templos podem ter espaços para isso. Um sonho meu é transformar locais de crimes horríveis em santuários de luto. Imagino o Memorial Day não como um dia de churrasco, mas como um lugar para enfrentarmos perdas e dores em comunidade.

Chorar em grupo oferece algo que sozinhos não alcançamos. Por meio da validação, reconhecimento e testemunho, o luto coletivo permite uma cura profunda e libertadora. Todos temos o direito humano básico ao amor, à felicidade e à liberdade genuína.


Sobonfu Somé, falecida em 2017, foi uma das principais vozes da espiritualidade africana. Viajava o mundo com a missão de curar, compartilhando a riqueza espiritual e cultural de sua terra natal, Burkina Faso. Autora de “The Spirit of Intimacy”, “Women’s Wisdom from the Heart of Africa” e “Falling Out of Grace”, sua mensagem sobre a importância do ritual, da comunidade e da espiritualidade na vida moderna levou Alice Walker a dizer: “Ela pode nos ajudar a reconstruir tantas coisas fragmentadas no mundo ocidental.” Site: www.sobonfu.com | Tradução a partir do site: Africaneando.

Marcos Carvalho Lopes

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *