Ensaio de :
Severino Ngoenha, Eva Trindade e Giverage do Amaral
O risco COVID-19 é hoje prerrogativa comum da humanidade.Ou estamos afetados e infectados ou estamos à espera de sê-lo. O seu impacto, via mídia globalizada, produz efeitos desesperadores para o mundo inteiro e sobretudo para as comunidades mais pobres.
O seu impacto espinhoso acelerou a velocidade da comunicação e reduziu a distancia dos espaços; o pânico que provocou atingiu os nossos chapas e ‘my loves’, mas também as mais sofisticadas aeronaves e cruzeiros do mundo; abalou os nossos dumbanegues como as industrias da Silocon Valley, atingiu as nossas barracas como como as praças financeiras de Wallstreet, Londres ou Zurich; as nossas sociedades de mendigos como petro-homens da Arábia Saudita.
O ceticismo clássico e as teorias modernas de suspeita refizeram surfasse; como chegou o vírus ao homem? Não haverá intervenção humana? Quem foi, chineses, americanos, europeus? Moçambicanos não podem ser, changues e nhagumelos estão na cadeia. E se fossem eles para se vingarem do mundo ingrato?
Alguns cientistas dizem que a invasão humana aos espaços de outras espécies, devido, entre outras razões, ao crescimento demográfico, teria levado a que concepções sobre a alimentação fosse alargada a espécies cujas naturezas produzem bactérias nocivas ao homem. Aventa-se que a ocupação excessiva do espaço por parte do homem reduz consideralvelmente o habitat dos animais que, por razoes de sobrevivência, invadem o corpo humano
Então a pandemia deveria levar-nos a refletir sobre os limites do consumível -animais silvestres, pangolins, morcegos-, mas também da invasão a espaços ecológicos de sobrevivências das outras espécies.
Esta constatação resulta em questionamento sobre os resultados da ciência. Foi ele que favoreceu a longevidade da vida como nunca na história dos homens, que diminuiu a mortalidade infantil e, com estes efeitos combinados, favoreceu o crescimento demográfico. Ela também favoreceu o aumento da produção de alimentos mas foi incapaz de distribui-las para todos. Mas sobretudo, mantém vivos os velhos por demasiado tempo, o que contraria os cálculos das caixas de pensões e cria problemas para todo o sistema.
Se o corona, dizimasse essa velharia,doravante inútil que teme a não morrer, reduziria a sobrecarga sobre o sistema de pensões e o colocaria o sistema a funcionar segundo as previsões do Pós II Guerra: trabalhar toda a vida e depois da reforma morrer, quando muito, um ou dois anos depois.
Isso evitaria a importação de negros e indianos, selecionados a prova de travessia do mediterrâneo, para com um trabalho escravo, pôs escravatura, reabastecerem as caixas. As extremas direitas do mundo inteiro -Trumps, Bolsonaros, Lepenes, Sociobiologitas, Eugenistas-, encontrariam aqui o seu Nirvana: não só eliminar negros, índios, asiáticos, mas também os velhos, por que não, também os drogados, os HGBLT, os desempregados e o mundo voltaria a ser o jardim de Eden antes da traição da Eva.
O coronavírus veio nos recordar, se disso tivéssemos necessidade, que vivemos numa sociedade de incertezas e que a globalização é essencialmente de riscos e não das benesses (Ulrich Beck). Que há quem tem milhões para que a eventual vacina se destine, em primeiro lugar e talvez só, aos seus concidadãos; mas que antes ela deva ser testada nos corpos negros dos africanos; que a bola tem donos e se não deixamos que eles marquem golos, mesmo em fora de jogo, podem leva-la para casa; foi o que não compreendeu a organização mundial da saúde.
Os trilhões de dólares (benesses) postos á disposição pelos Estados mais ricos (UE, EUA, Grã-Bretanha) visam mitigar o impacto negativo nos seus países e proteger as suas fortes economias, o que de certa forma pode vir a transformar-se numa ulterior depredação das economias mais fracas e aumentar a dependência política e económica em que já sobrevivem.
As constatações são a grande desigualdade entre Norte e o Sul, mas também entre o Norte do Sul e o seus subúrbios.
E se fossemos imunes aos vírus? E se a nossa cor escura, a irradiação do calor ou o nosso consumo de drogas contra a Malária, Sida, Tuberculose nos tornassem inapeticiveis para os espinhos da coroa? Isso não mudaria nada, pois os seus efeitos, graças a comunicação global e a nossa assimilação acrítica, já devastaram o pouco de economia que tínhamos. Barracas fechadas, chapas vazios, my loves sem love e ate escolas e universidades, lugares de esperança ou ilusão, enceradas.
As consequências não são só económicas, mas são também políticas. O corona obriga-nos a confiar mais poderes a regimes e dirigentes duvidosos. Se os EUA tiverem de declarar um lockdown, terão de confiar mais poderes a um Trump, que até há pouco meses atrás estava num processo de impeachment. A França teria que dar mais poderes a um Macron, que durante meses e meses enfrentou protestos dos camisas amarelas. E o Reino Unido do coronado e anti parlamentar Boris Jonshon, o Brasil do Bolso (naro)? O que dizer de Moçambique, onde os desintegrados parlamentares, os eleitos do povo, aqueles que deveriam ser os garantes da integridade e da saúde pública, são os fomentadores da confusão, são ou ateus portadores da coroa, por apertos de mão reais, para o país?
Os moçambicanos – como os outros povos- esperam uma solução, uma vacina contra o Covid-19, contudo, ninguém espera que a vacina venha das nossas doutas instituições de ensino superior. Estes nossos centros de pesquisas, alimentados pelos nossos impostos, são orientados para conferencias e congressos internacionais que dão resposta aos problemas dos outros…
O Covid demonstra, se fosse ainda necessário, que Gramsci tinha razão: a historia tem muito a ensinar, mas não tem discípulos.
Apesar das experiências da década 80, em que o repolho nacional foi o salva vidas dos moçambicanos, nós recaímos, voluntariamente, numa nova dependência alimentar para com a República da África do Sul. Se ela decidir fechar as suas fronteiras, como já o fez parcialmente, as nossas lojas de alimentação, de material escolar, de vestuários, ficarão vazias.
Esta é uma questão não só das universidades, que não respondem às necessidades primárias locais, mas das nossas políticas públicas, que não sabem que a segurança nacional é antes de mais a segurança alimentar. Por isso, preteriram os poucos produtos nacionais a favor de importações desnecessárias e custosas, até de produtos geneticamente modificados que são exibidos nas prateleiras dos supermercados, não só em Maputo, mas em todas as províncias do país, do Zumbo ao Índico e do Rovuma ao Maputo.
Oxalá a suspensão do ensino presencial imposto pelo vírus ajude as nossas instituições de ensino superior, e mesmo as do ensino médio, a deixar de considerar os artefactos da tecnologia de comunicação como simples instrumentos de lazer, para transformá-los em sérios instrumentos pedagógicos, de trabalho de investigação e extensão. Tudo leva a crer que a pedagogia pós-coronavírus e o mundo do trabalho nunca mais serão os mesmos, e se isso é uma lição que temos de tirar para antever o futuro, constituirá um dos únicos pontos positivos da crise que estamos a atravessar.
Há alguns anos o filósofo guineense, Filomeno Lopes, escreveu um livro intitulado “E se a África desaparecesse do mapa mundo?”.
“E se os moçambicanos desaparecêssemos do Mapa mundo?” Aliás, este processo esta parcialmente em curso. Assistimos, impotentes, as populações de Mocímboa da Praia a serem empurradas por jihadistas ou Petro-jihadistas, a serem forçados a abandonarem as suas terras, para deixar o terreno livre para a exploração e domínio da dolarocracia global, à semelhança dos iraquianos e líbios que foram forçados a abandonar os seus sítios ricos em petróleo e as suas obras de arte, alta expressão de sua existência, não ao Allah dará, mas a um ‘dará’ com nome, rosto e poder militar.
O Brasil das elites de São Paulo e Rio de Janeiro viu se rapidamente obrigado a admitir, sobretudo durante a crise do Corona, que as domésticas são importantes para o bem-estar dos seus senhores (patrões). E nós negros e africanos, porque é que o mundo deve continuar a suportar a nossa existência? A financiar a nossa economia e orçamentos? Até quando?
Devemos começar a cultivar o nosso jardim (Voltaire), e (aude) ousarmos pensar que temos que ter uma existência própria, independente do bom querer dos senhores do mundo; termos brio e “aquilo no lugar”, para “fazermos a nossa existência e fazer face as vicissitudes dos tempos, das coronas e do mundo que certamente há de vir (Derrida).
Se nos últimos anos ficou claro que ciência sem consciência e sabedoria é mortal, fica ainda mais claro que a sobrevivência passa pela -nossa -cooperação e pelo sentido dos outros; esses outros que hoje são percebidos como perigo da contaminação, mas que também, pela sua prudência, podem ser a nossa possibilidade de sobrevivência.
O COVID-19 é essencialmente comunitário,como a marabenta, ou dançamos com os outros e nos salvamos todos, ou descriminamo-nos, e perecemos todos. Hoje somos todos chamados a usar máscaras, mas do que servirá a minha máscara se o outro não participa no carnaval? Máscaras só para alguns só pode significar a morte de todos.
O coronavírus vai deixar sequelas indeléveis para aqueles que terão a sorte – ou o azar -, de ficar. Vai (ou devia) mudar a nossa maneira de ser e estar, de fazer a política, a educação; vai infelizmente enfraquecer ulteriormente a nossa economia, aumentar a nossa pobreza mas, Inshallah, esperemos que nos tire dos nossos egoísmos e fortaleça o nosso nível de solidariedade; a ideia de que as nossas vidas estão intrinsecamente ligadas; pobres e ricos, Norte e Sul, e que só a cumunia (cum munia), partilha de bens, pode nos garantir um amanha… Depois da liberdade e igualdade, é tempo da fraternidade.
Moçambicanos, um pouco mais de esforço…
Bilene, num Domingo de Ramos sem ramos e em isolamento social.
Ensaio de Severino Ngoenha, Eva Trindade e Giverage do Amaral gentilmente cedido para publicação neste site.