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Cosmopolitismo à brasileira

Marcos Carvalho Lopes

(conto “da gaveta” – de 2008)

O que é cosmopolitismo? Segundo o Dicionário de Filosofia de Nicolau Abbagnano é “a doutrina que tende a negar a importância das divisões políticas e a ver no homem, ou ao menos no sábio, um “cidadão” do mundo” (p.217). Esta definição está na base da ideia kantiana de progresso em direção à uma paz perpétua. Mas, é preciso aprender como esse termo funciona na prática, como um kantiano[1] o aplica.

Cenário: sala de aula de filosofia em um curso de pós-graduação. O professor, eminente sudestino doutor-especialista lê o seu tratado acerca de Kant para os estudantes. O texto tem o mérito de complexificar e dificultar mais ainda o acesso a obra de Kant. Os estudantes estão cansados dessa leitura monótona, mas o professor se empolga com suas próprias palavras e se põe a profetizar para além do seu texto, para além de Kant: “E a China será a Grande Potência (…) blábláblá… a Europa em frangalhos… blábláblá”. Neste clima de profecia quanto às relações internacionais um aluno local, um “neguinho atrevido”, pergunta: “Professor, mas há poucos anos diziam que a Alemanha e o Japão seriam as novas Grandes Potências; os Tigres Asiáticos etc. Fazer esse tipo de previsão não é muito arriscado, já que a China não dispõe de mecanismos para transformar supremacia econômica em lei?…  Blábláblá”.

O professor, visivelmente constrangido e irritado, respondeu perguntando: “Você já morou na Europa? Eu morei lá por 8 anos. Você já foi nos EUA etc… eu sei o que estou dizendo… irracionalista…”.

O aluno abaixa a cabeça atónito. A turma fica em silêncio. Vendo um outro estudante com o dedo levantado o professor rindo, vitorioso, cede a palavra:

“Professor, é verdade que Kant nunca saiu da vila na qual morava?”.

O professor olhou para o estudante que fez a segunda pergunta rapidamente e deu às costas: “Vamos voltar para o texto”.

Continuaram lendo. O aluno que duvidava da profecia dos iniciados pegou seu material e foi embora. Cosmopolitismo é isso! Quem é o caipira dessa história?


[1] Kantiano é, vulgarmente, uma espécie de especialista em filosofia que acha que sempre tem Razão, contudo, tal definição não se sustenta, já que a maioria dos especialistas em filosofia, embora tenham religiões diferentes, acreditam servir e carregar consigo este mesmo deus.

Marcos Carvalho Lopes

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