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EUA: como tratar os menores de idade

Gonzalo Armijos Palácios (publicado originalmente no Jornal O Popular em 2015)

  Às vezes penso que escrever, mais do que uma necessidade, é uma espécie de castigo. Porque é óbvio que todos nós gostaríamos de escrever sobre algo que não nos faça mal, ou que não nos esteja fazendo mal. Já escrevi dezenas de artigos que me deram muito prazer. Prazer ao concebê-los, ao lhes dar vida, ao redigi-los. Ao ver como iam crescendo e tomando corpo, forma e personalidade enquanto os desenvolvia. Queria muito poder escrever hoje sobre Borges, sobre Modigliani, mas não consigo. Há temporadas em que não podemos fugir do que nos afeta e parece nos perseguir dia e noite, noite e dia, semana a semana, mês após mês. Perguntaram-me hoje se já tinha escrito este artigo e respondi que não. Isso foi cedo, de manhã. Ainda, à tarde, estou lutando para poder sentar-me e fazê-lo.
  Poder-se-ia pensar que, hoje, escrevo por oportunismo. Mas quem acompanha meus artigos sabe que desde agosto do ano passado, aproximadamente, tenho me sentido obrigado a escrever e denunciar as barbaridades contra os negros nos Estados Unidos. Reconheço que estou cansado de ter de escrever sobre isso. Porque é um assunto que me toca intimamente. 
  Nestas últimas semanas tenho ficado preocupado com a situação no Brasil, como nunca deixo de estar, assim como com a greve dos funcionários públicos e com a dos docentes das universidades federais. Greve na minha própria universidade, na qual as regionais Goiás e Jataí já se encontram e na que as regionais de Catalão e Goiânia entrarão em julho e agosto.
  Como todos, tenho visto as manobras feitas pelo presidente do Congresso para reduzir a maioridade penal e o “oba-oba” das mentes mais retardatárias nos meios de comunicação aplaudindo esse verdadeiro insucesso.
  Senti a necessidade de, com pesar, escrever sobre o assunto. Mas, penso, o que adianta dar razões se as discussões no próprio Congresso mostraram que a mais alarmante irracionalidade está justificando aquela redução? 
  Encontrava-me naquela luta interna quando vi nos jornais e leio, mais uma vez, a forma miserável como são tratados os negros nos Estados Unidos. No www.dailymail.co.uk pode-se achar o vídeo em que o policial Terrance Saulny, com o pretexto de algemar uma adolescente negra já detida, de 16 anos, sim, isso mesmo, 16 anos, a atira contra a parede, a agride, e com a ajuda de outro “valente”, a joga contra o chão, a continua agredindo e a algema nos braços e pernas. No vídeo há uma advertência sobre o caráter “perturbador” das cenas. Não podia ser diferente. Enquanto via aquelas cenas não podia deixar de pensar que é exatamente isso que essas mentes brilhantes do nosso Congresso nacional e todas aquelas almas caridosas que os apoiam nos meios de comunicação querem. Bem sabem que, entre outras coisas, estão dando carta branca para que aqueles que já consideram os negros e os pobres delinquentes natos os tratem, no mínimo, da forma como essa adolescente negra é tratada no vídeo. Quando não, claro, se sintam com o direito de torturá-los e matá-los. 
  Sugiro ao leitor que leia o Mapa da Violência, publicado nestes dias, envolvendo adolescentes de 16 e 17 anos no Brasil. Nesse relatório o leitor poderá ter uma ideia melhor do que está acontecendo com os jovens no Brasil que enfrentam a violência de todos os tipos. A isso se soma hoje a violência togada, a daqueles que foram eleitos para defender seus direitos e que pelas mais escusas motivações se voltam contra eles. Eu não queria argumentar com palavras. Basta ver as cenas desse vídeo, é uma espécie de crônica de uma violência anunciada contra os jovens de 16 e 17 anos aqui no Brasil e, claro, principalmente contra os jovens negros e pobres das favelas e da periferia. É a violência institucional anunciada — quando não da tortura e da morte anunciadas — “com base na lei” e no “clamor das ruas”. Revoltante.

José Gonzalo Armijos Palacios - Possui graduação e doutorado em Filosofia pela Pontificia Universidad Católica Del Ecuador (1978 e 1982, respectivamente) e doutorado em Filosofia pela Indiana University (1989). Realizou estudos de pós-doutorado na Indiana University em 1996 e 1997. Desde1992 é professor titular da Universidade Federal de Goiás.

Marcos Carvalho Lopes

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