0

MANIFESTO CONTRA A GUERRA, A VIOLÊNCIA E A INDIFERENÇA

Nós, pretos, brancos, indianos, mestiços; nós, cristãos, muçulmanos, judeus, budistas, hinduístas, animistas, agnósticos; nós, de todas as tribos, regiões e origens de Moçambique e do mundo, homens e mulheres, crianças e anciãos, levantamo-nos.

Levantamo-nos com a dor no peito, com a indignação na alma, com a razão na mão.

Levantamo-nos porque há algo que se tornou insuportável: a guerra virou norma. A morte é rotina. A injustiça é sistema.

O ponto de partida da nossa denúncia é a guerra brutal e desumana levada a cabo pelo Estado de Israel contra o povo da Palestina, particularmente em Gaza — onde, à vista de todos, civis são bombardeados, crianças são soterradas, hospitais são destruídos, jornalistas são mortos, e a fome é usada como arma. O que se passa em Gaza hoje não é um conflito: é uma aniquilação, é a negação sistemática do direito à vida de um povo.

Mas Gaza é apenas o rosto mais visível de um mal que alastra. A violência, a guerra, a fome, a desumanização não estão confinadas ao Médio Oriente. O mesmo mecanismo de morte e dominação opera noutros lugares. Vemos-no no Haiti, abandonado à anarquia e à violência das gangues, num silêncio mundial vergonhoso. Vemos-no no Sudão, onde uma guerra civil mata milhares e expulsa milhões, sem sequer merecer uma manchete. Vemos-no na República Democrática do Congo, onde a pilhagem de recursos anda de mãos dadas com a guerra e o estupro como arma de domínio.

Vemo-lo, sobretudo, em Moçambique, na nossa própria terra, onde Cabo Delgado sofre há anos com o terrorismo, com deslocamentos forçados, com miséria organizada, enquanto se explora o gás que jorra das entranhas da terra para enriquecer poucos e matar muitos. Vemos-no em Nampula, em Niassa, em zonas rurais inteiras deixadas ao abandono, onde a fome, a malária e a tuberculose matam em silêncio. Vemos-no nas filas dos hospitais sem remédios, nas escolas sem professores, nos bairros sem água, onde a violência é estrutural e cotidiana.

Denunciamos aqueles que praticam a guerra com os seus próprios exércitos, como o governo de Israel.

Denunciamos os que armam e financiam estes crimes — os governos dos Estados Unidos, da Europa e outras potências globais que se dizem democráticas, mas que sustentam esta máquina de morte.

Denunciamos os que se calam, os que desviam o olhar, os que praticam a política da indiferença e da hipocrisia.

Denunciamos os que colocam os interesses económicos e geopolíticos acima da vida.

Denunciamos as empresas que lucram com a guerra, que vendem armas, que exploram o caos para aumentar lucros.

Denunciamos também o silêncio das instituições africanas e internacionais, muitas delas cúmplices, muitas outras capturadas por interesses estrangeiros.

Denunciamos os nossos próprios governos africanos, quando reprimem os seus povos, roubam os seus recursos, prendem os seus críticos e negam direitos fundamentais.

Denunciamos a violência da fome.

Sim, a fome é também uma guerra.

A fome na Palestina. A fome no Sahel. A fome nas aldeias de Moçambique.

Num mundo que produz mais do que suficiente para todos, a fome é uma escolha, uma arma, uma vergonha.

Denunciamos a fome como a mais antiga e mais cruel forma de violência.

Denunciamos a violência da saúde negada.

Milhões morrem por doenças curáveis.

Milhões vivem sem acesso ao mínimo de cuidados médicos, enquanto grandes farmacêuticas bloqueiam medicamentos, e Estados deixam morrer os seus pobres.

Denunciamos os que lucram com a doença e com a morte.

Denunciamos o ataque à verdade.

Na Palestina, como no Congo ou em Cabo Delgado, jornalistas são mortos, organizações humanitárias são impedidas de trabalhar, e a informação é silenciada.

Denunciamos a tentativa sistemática de apagar os factos, de manipular as consciências, de matar a verdade.

Tudo isso é feito contra o espírito e a letra da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 1948 — precisamente depois dos horrores da Shoah, das guerras mundiais, do colonialismo e da escravatura.

Denunciamos, portanto, em nome dos direitos humanos universais, que reconhecem que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.

Denunciamos em nome da memória histórica da humanidade.

Aprendemos com as nossas tragédias.

Sabemos que o silêncio diante do mal é cumplicidade.

Sabemos que nenhum Estado, nenhum povo, nenhuma religião, nenhuma raça tem o direito de oprimir outro.

Todos os supremacismos são crimes.

Todos os colonialismos, sejam eles políticos, económicos ou culturais, são atentados contra a humanidade.

Denunciamos com o conhecimento da nossa ciência.

Hoje sabemos o que é o sofrimento, sabemos o que é a fome, sabemos como curar, como alimentar, como proteger.

Não é a ignorância que mata.

É a indiferença.

É a ganância.

É o poder descontrolado.

Denunciamos com a nossa filosofia e com a nossa fé na dignidade humana.

Somos herdeiros de um pensamento que nos ensinou que o valor supremo é a vida.

E que essa vida, para ser digna, precisa de paz, de liberdade, de casa, de pão, de voz e de amor.

Fazemos este apelo como homens e mulheres moçambicanos, africanos, do mundo.

Falamos a partir de Moçambique, onde conhecemos as marcas da guerra, a violência do silêncio, o cinismo das potências, e a tragédia da indiferença.

Mas falamos com todos os povos que sofrem e com todos os que ainda acreditam na humanidade.

Ergamo-nos juntos. Agora. Não depois.

Porque nenhum de nós pode dormir tranquilo, enquanto bombas caem sobre Gaza, enquanto crianças morrem de fome no Congo, enquanto mães gritam em Cabo Delgado, enquanto jovens se afogam no Mediterrâneo fugindo de guerras que não escolheram.

Porque a morte de um ser humano inocente — em Gaza, no Haiti, no Sudão, na Ucrânia, no Congo, em Moçambique — é uma ferida aberta na consciência de todos.

Assinamos este manifesto para fazer ouvir a nossa voz.

Para que ninguém possa dizer que não sabia.

Para que ninguém se esconda na desculpa da distância.

Para que os responsáveis sejam chamados pelo nome.

E para que se abra, enfim, um tempo novo — o tempo da consciência ativa, da dignidade partilhada e da paz como dever sagrado.

                                                           Maputo, 15 de Maio (NAKBA DAY) de 2025

ASSOCIAÇÃO DE AMIZADE E SOLIDARIEDADE COM A PALESTINA

Subscritores

Organizações

AJUM – Associação  de Juristas Muçulmanos de Moçambique

AMEEM – Associação Moçambicana de Empresários e Empreendedores Moçambicanos

Comunidade Mahometana

Comunidade Muçulmana de Moçambique – Acção Humanitária

Fundação Njelo – Educação, Ciência e Investigação ao serviço da Humanidade

Fundação de Desenvolvimento para a Comunidade (FDC)

Justiça Ambiental

MuGeDe

MMMR

Singulares

Xarifo  Abdula    Yufuna Adriano    Gulamo Abobakar     Normomade Abdulcarimo    Manuel Alvarinho    Albertina Armado Nazir Bikha     Antonio Barros    Maria Barreiros     Lavinia Bechardas Isabel Casimiro    Marco Cera    Shanawaz Cera    Lucinda Cruz    Sofia Cassimo Inuss I. Durvesh     Abdul Dauto

Alberto Ernesto Margarida Forjaz    Paulo Fumane Jose Gemusse Teodato Hunguana     Samir Hage    Aly Hassane     Momade Hassam Abdul Carimo  Issa   Sarah Issa   Annika Issa   Isabel Issa   Miriam Issa   Intiaz Issa   Paulo F. Issa    Ana Isabel     Armando Inroga Antonio B. Junior    Esmeralda Jeronimo

Anabela Lemos    Sulemane Latif   Zaheer Lorgat Hélder Martins    Mohamad Mussagy    Saima Mahomed    Celia Menezes     Zuneid Mahomed     Abudo Manana     Jardel Mario Severino Ngoenha     Momad Nemane    Katia Nalagy Salim Omar Momad Popat    Flora Pedro

Laura Rodrigues    Mario Rassul     Isabel Ruas Luis Simago    Maria Soares Joao Trindade Mario Ussene 

Marcos Carvalho Lopes

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *