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O que há de comum nos diversos atos de filosofar

Do ponto de vista quantitativo, nunca se fez tanta filosofia como hoje

Gonçalo Armijos Palácios

A considerações no artigo anterior nos levam a um novo problema: se as formas de pensamento e de raciocínio do filósofo não são diferentes das do cientista e do ser humano comum, o que faz de uma forma de raciocínio ser filosófica ou científica ou da vida de todos os dias? A resposta pode ser mais simples do que imaginamos, e já estava de alguma forma antecipada no início das reflexões anteriores: a circunstância em que se encontra a pessoa quando realiza tais raciocínios.

Comecemos pela situação da vida comum. Uma pessoa tem problemas e tenta resolvê-los pensando. A tendência é que, para isso, recorra a experiências passadas, a conhecimentos concretos e constate se a solução dada está adequada aos fatos que, para começar, motivaram o problema. Seus problemas são eminentemente empíricos e as soluções estão impregnadas de apelos à experiência. 

O cientista natural tem um determinado tipo de problemas, aqueles que surgem dentro do âmbito próprio de sua disciplina. Tais problemas tendem a ser resolvidos seguindo determinados padrões de comportamento, como apelo às leis e teorias aceitas de sua disciplina, a resultados concretos, passados e presentes, e a métodos consagrados para resolver determinadas questões.

Vemos que, no caso do filósofo, todo esse auxílio que existe nos casos anteriores desaparece. Só resta algo que é comum a todos os atos de filosofar: a pessoa descobre-se perdida. Vê o problema e nada do que ela saiba ou sua espécie saiba poderia auxiliá-la para resolver sua questão. Isto é, não pode recorrer à história ou às conquistas de qualquer disciplina científica. Não adianta fazer apelos imediatos ou mediatos à experiência e se percebe que a única forma de resolver a questão é por meio do pensamento, e unicamente por meio dele. A circunstância é, então, a de se achar numa espécie de vazio inicial, de ponto inicial radical. A pessoa percebe que nada há para poder apoiá-la para sair dessa situação e que lhe permita seguir adiante. O único mesmo é o próprio pensamento. E o pensamento agirá de forma semelhante a como faz quando pretende resolver qualquer outro problema, empírico ou científico: recorrerá aos métodos de raciocínio que a pessoa aprendeu desde criança e que lhe pertencem como um ser humano que usa sua mente de forma normal. Nada há de místico ou de sobre-humano nisso.

O anterior nos leva a um resultado que nada tem de surpreendente: o cientista que chega a um limite determinado de sua disciplina, descobre um problema no limiar da ciência e percebe que nada do que ela contém (resultados, leis ou métodos) está em condições de auxiliá-lo para resolver seus problemas, se encontra numa situação semelhante à do filósofo. E assim passa de cientista num campo do saber a filósofo da ciência nesse mesmo campo. Isso ocorre hoje mesmo com a física, a química e a biologia quando os cientistas voltam às questões fundamentais sobre o início do universo, do elemento primordial ou da vida. Nesse caso, a diferença entre cientista e filósofo da física, filósofo da biologia ou filósofo da química são tênues, se de fato existem.

A partir das considerações anteriores podemos entrar, finalmente, no nosso tema (A Filosofia Hoje). Do ponto de vista quantitativo, nunca se fez tanta filosofia como hoje. Por uma razão simples, nunca houve tantas mentes se topando com questões novas, impossíveis de serem resolvidas com as conquistas do conhecimento adquirido ou com o auxílio de metodologias empíricas. O desenvolvimento social, econômico, científico e tecnológico traz ao ser humano um leque cada vez maior de possibilidades de ele se descobrir em situações de perplexidade máxima. Pois é esse estado de perplexidade máxima que caracteriza o pensamento filosófico e o empurra, não a subir ao nível supra-histórico de uma dimensão sublime, atemporal, quase divina, mas a resolver questões que nos interessam como seres históricos, concretos, mortais, finitos, falíveis. É essa a circunstância do filosofar, uma circunstância que, de início, em nada se diferencia da situação em que qualquer pessoa se encontra quando descobre um problema que sabe que só pode resolver com o auxílio do seu próprio pensamento. Por isso, como muitos atos de pensamento, o ato de filosofar é um que se exercita em extrema solidão.


Gonçalo Armijos Palácios

José Gonzalo Armijos Palácios possui graduação e doutorado em Filosofia pela Pontificia Universidad Católica Del Ecuador (1978 e 1982, respectivamente) e doutorado em Filosofia pela Indiana University (1989). Realizaou estudos de pós-doutorado na Indiana University em 1996 e 1997. Desde1992 é professor titular da Universidade Federal de Goiás. Tem experiência na área de Filosofia, atuando principalmente nos seguintes temas: filosofia, metafilosofia, filosofia política e ensino de filosofia. Participou do Grupo de Sustentação para a criação do GT Filosofar e Ensinar a Filosofar, em 2006, do qual foi seu primeiro coordenador eleito. Foi o fundador do Curso de Pós-Graduação em Filosofia da UFG (1983), da revista Philósophos (1986), do Curso de Graduação em Filosofia da cidade de Goiás da UFG, em 2008, e participou da criação do Campus Cidade de Goiás da UFG em 2009.


publicado originalmente na Coluna Ideias do Jornal Opção – Edição 1846 de 5 a 11 de dezembro de 2011

Marcos Carvalho Lopes

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