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Os tarzans que nos Governam

Proibido matar

Ensaio de Severino Ngoenha, Augusto Hunguana & Giverage do Amaral

Ah Platão, notre Cher Platon, é assim que Alain Badiou (um dos maiores filósofos contemporâneos) reage ao resultado de uma sondagem de opinião da BBC que preteriu a influência histórica de Platão a favor dos vários, Hume, Marx ou Wittgenstein…

O ocidente, sobretudo a partir do idealismo e da falsificação epistemológica da história  – de Hegel até Heidegger, passando pelo renascimento, pelo humanismo, Iluminismo até aos  “intraduzíveis”  hodiernos de Bárbara Cassan – , não cessa de exaltar a Grécia e com ela Platão, como lugar exclusivo do nascimento da racionalidade: filosofia, direito, matemáticas, artes, olimpíadas… 

Platão – não só –  na República não cessa, por sua vez,  de reivindicar para a governação,  o espírito que deveria contra distinguir todo e qualquer filósofo: a razão consciente (razoabilidade) que se declina na tradução do Iluminismo em liberdade, igualdade e fraternidade. Todavia, salvo algumas excepções, no essencial – e em oposição aos valores proclamados (Cesaire) – a governação que o ocidente impôs ao mundo é dirigido por tarzans. 

Em “mangani”, a língua dos macacos que foram imaginados por Burroughs no seu livro de 1912, o nome de Tarzan significa “pele – branca’. Os de pele  Negra – que seguem os mesmos trilhos- correspondem ao que Fanon chamou “Pele Negra e Máscara Branca”. Podem esses tarzans criados por macacos, como Rómulo e Remo, criados por lobos (homo homicídio lupos) de Hobbes, criar uma Roma-mundus (globalização-mundialização) regido por valores de justiça e de fraternidade?

Quando se visitam os museus vaticanos, antes de se chegar a Capela Sistina – de Julio II e Micheangelo- , o itinerário prevê uma passagem pela sala dos mapas. Começa-se com a projeção de uma pequena Itália, que vai crescendo a medida que as conquistas romanas aumentam. Interrompido com a queda do império romano do ocidente, o crescimento retoma no século XV, com Cristóvão Colombo, Américo VespucciVasco da Gama, Fernão de Magalhães

A medida que o mapa mundo crescia geograficamente, a antropologia ( a compreensão do homem) ia se modificando; ampliando o conhecimento das diferentes maneiras através das quais a humanidade glorifica a vida.

A reação dos pequenos homens- pascalianos em busca de um porto seguro- foi   classificar, categorizar e condenar as diferenças a uma inferioridade ontológica (poligenese) e a uma excomunhão herética dos seus costumes. Porém, em desabono  de Urbano VIII e Belarmino, “Il mondo  si muove” (B. Brecht) do lado de Giordano Bruno, de Kepler, de Copérnico e de Galileu; ao lado daqueles para quem as “mirabilis dei” tinham que ser desvendadas (o que transmudou certesianamente o homem, primeiro em Faber, depois em demiurgo)  nos movimentos dos astros, nas diferentes geografias e, de consequência, nos diferentes processos racionais de adaptação (Darwin)  – que chamamos culturas – as quais estão condenados os émulos de Prometeu ( Platão – Protágoras).

Desde então, o essencial da história é um paroxismo entre os Narcisos -apaixonados por si próprios – que não cessam de apregoar e impor o próprio ethos como o “sumo belo” (o que antropólogos chamam reduzir o outro ao mesmo) e os residuais, optaram pela via larga, a via  dos costumes, das culturas (Remotti), na busca de outras galáxias e estéticas (Gianni Vattimo), de outras maneiras através das quais a humanidade dá razão a existência (Raul F, Betancourt). 

Esta génese da contra contracultura (herdeira da denúncia Nietzscheana da falsa moral e da desconstrução Derridiana) não só é o ancestral do mundo virtual, mas também contribui a deslocar as categorias da compressão do mundo (espaço – tempo), a desconfessar o especismo (Peter Singer) e a abolir as fronteiras do humano. Já Armstrong e Gagarin,  do espaço (a próxima fronteira de conquista), não conseguiam enxergar continentes, fronteiras ou raças; depois os Steve Jobs, Bill Gates com o digital e o computador criaram a hiperconectividade-mundo (WWW) que desafia – e ultrapassa- as geografias/ cartas/ mapas tradicionais e conectam as humanidades onde árabes e judeus, muçulmanos e cristãos, católicos e protestantes falam continuamente entre si. Hoje,  com a inteligência artificial,  ninguém pode dizer se um texto foi escrito por um preto, amarelo ou por um branco; alguém do norte ou do sul global. 

Nunca tivemos um mundo com tanto conhecimento cientifico como o mundo do séc. XXI, nunca tivemos um mundo com tanta capacidade tecnológica, capacidade de conectar homens de todo o mundo em tempo real -como demonstraram os recentes jogos olímpicos, as COPs ou os campeonatos mundiais de futebol. De todos os pontos do mundo se entra em contacto com todos os outros pontos. 

Homens e mulheres não só têm consciência de viver num mundo que se tornou uma povoação global (McLuhan) -filho da grande heresia de Galileu-, mas ao mesmo tempo,  aprendem a harmonizar as próprias ambições. Os objetivos de vida de um jovem americano são, em muitos aspectos, análogos aos objetivos de um jovem que está no Peru ou na Austrália; os seus modelos tornaram-se os mesmos – Michael Jordan, Michael Jackson, Messi, Ronaldo – as suas inquietações tem muito em comum: guerras, mudanças climáticas, transições energéticas…

Todavia, Enquanto os Elon Musks, os Zuckerberg, os Peter TellJeff Bezos sonham a singularidade (momento em que a performatividade das máquinas ultrapassará o homem), fazem foguetões e viagens espaciais para a conquista da próxima fronteira,  sonham o transhumanismo; os tarzans – quão dinossauros –  que nos governam, incapazes de sonhos, continuam com os velhos paradigmas o mundo arcaico,  agarrados as velhas segregações (raças, tribos, etnias), confinados em passados ultrapassados de lutas ideológicas, da busca de hegemonias…

A discrepância entre a Juventude que inventa e cria novos mundos (e novos homens) e as políticas dinossauras dos governantes é abissal e aos antípodas (…).

Os governos e os governantes, parecem não ter perspectivas, utopias, a altura do Wonderful New World (Aldous Huxley),  nem do desenvolvimento tecnológico -nem da comunhão mundo dos povos- que ele permite/autoriza sonhar. Cresce, exponencialmente, o divario/distância entre um mundo que vê longe -porque transportado em ombros de gigantes (Newton)-, e os  anões que dirigem os destinos do nosso mundo. Pequenotes que, mesmo diante de uma casa-comum que queima continuam, renitentes, agarrados ao cultivo voltearíamo das  espinhas do próprio jardim.

Os mestres do mundo (velho) vivem fora do novo mundo e ainda pensam que a solução dos problemas (injustiça e equidade) do mundo estão nas bombas, nas guerras e nas sanções económicas. Para  esses  tarzans tudo deve ser feito com a razão da força, na base do grito selvagem -o roncar das armas, a explosão das bombas, a teleguiagem dos drones. Os problemas humanos e entre as nações, no período mais desenvolvido da história, se resolvem no furor de massacres de mulheres e crianças, de destruição de escolas e hospitais…

Temos mesmo que escolher entre Putin e Zelensky, entre Trump e o feminino de Biden (Kamala Harris), entre Netanyahu e o Hamas? Eles representam, paradoxalmente, a vitória da paideia contra a República, de Hobbes sobre Rousseau, de Clausewitz sobre Kant. A tríade da revolução francesa foi sempre coxa, aleijada, caminhando com um só pé…

Para pegar nos extremos do (pseudo) democrático 2024,  nem os moçambicanos em Outubro, nem os americanos em novembro deveriam votar nas fotocopias novas dos tarzans antigos. Mas votar em quem, se os aristones, as elites do mundo tecnológico (onde hoje se escreve o novo em todos os domínios) já abandoaram o navio da política-mundo (pós política), e já vivem em simbiose com artefactos nos cyborgs, mergulhados na inteligência artificial, projetados nos robôs -com quem até restabeleceram relações de amor-, enquanto projectam Marte e o pós humano?

Talvez seja nesta discrepância que esta o principal problema, ou talvez a maior aporia resida no paradoxo Platónico do filósofo rei; fazer com que os sonhos que fazem o essencial da unidade do género humano subam ao poder e “impactem” as instituições, mudem as organizações internacionais, mudem as Nações Unidas, acabem com as NATOs, com os G7G21DavosFMIsBMs e, concomitantemente, acabem com a fome, acabem com o domínio das armas, com as indústrias bélico-industriais e tragam de volta sonhos verdadeiros  para um mundo pós “humanimalidade”.

Os  Zuckerbergs interessantes, não são os milionários que manipulam, moçambicanamente, os pleitos (Cambridge Analítica), os que militam, demiurgamente, por ultrapassar as fronteiras do humano (pós humanismo) ou fugir para uma terra de Cocanha qualquer no Marte, mas os herdeiros da contracultura que, na esteira dos hippies, entenderam que fazer amor é mais importante (e humano) do que fazer a guerra; que compreenderam que o humano está do lado da interconexão, da empatia e da solidariedade entre pessoas e povos e não do lado (da animalidade) das destruições e guerras. Que sabem que o humano está nas olimpíadas, na fraternização entre jovens de países, continentes, religiões, raças, cores, credos, confissões, tribos, etnias diferentes. 

Esta necessária metanoia não tem, in primis, a ver com diplomas, academias ou  universidades; o único político a altura dos tempos pós “humanimais”,  que sonha com a fome zero, com escola para todos (…) é um pequeno operário, membro de um sindicato metalúrgico do ABC paulista, que nunca foi a grandes universidades; são os jovens militares que no Sahel se expõem em nome da liberdade, dignidade e justiça.

Antes mesmo dos grandes voos pós políticos, pós humanos temos que voltar aos fundamentais, aos primórdios, a proibição (moral e jurídica) de matar, independentemente das razões e pretextos com que o possamos justificar. Na Rússia e na Ucrânia, em Israel como na palestina, em Congo como em Cabo Delgado é proibido matar. Não podemos elevar a morticínio, venha ele donde vier, tenha ele as razões e os estatutos que o queiramos dar. Não é aceitável, que certas vida tenham que serem protegidas a todo o custo e, outras, celebradas ou banalmente tiradas, até como acidentes colaterais. É hipocrisia abolir as penas de morte -como processo da evolução do direito-, e depois normaliza-las com razões de estado ou actos de vingança.

Do alto da sua impotência, o que pode a filosofia (Houtondji)? Para não perder a sua inocência (Hannah Arendt / Karl Jaspers), pelo menos não se pode calar; tem que continuar a gritar sobre o valor de toda vida e  repetir – com Sartre-, que a vida de uma pessoa vale tanto, quanto a vida de mil outras ( Sartre)

tarzanismo não representa (só) a brutalidade da exploração europeia em Africa, mas a desconfissão da sapiencidade do humano.

Marcos Carvalho Lopes

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