0

PARA QUE FILOSOFIA II: O valor da Filosofia e as sociedades atrasadas

Gonçalo Armijos Palácios

Triste uma sociedade que não permita que aqueles jovens que mostram condições para a reflexão crítica possam dedicar suas vidas à filosofia


De tempos em tempos, parece como que as circunstâncias confabulam contra a filosofia e o filosofar. O marcado materialismo interesseiro que às vezes prospera leva as pessoas a acreditar que do que nesta vida se trata é de açambarcar riquezas e se locupletar a qualquer custo.

Julgam, muitos, que nos diferenciamos dos animais porque, enquanto eles só acumulam visando as suas reais necessidades — antecipando-se a longos e crus invernos, por exemplo — do que nesta vida se trata é de acumular a maior quantidade possível de riquezas fazendo dos outros meros instrumentos para esse objetivo. Instrumentos dispensáveis.

O fato é que não nos diferenciamos dos animais por sermos mais fortes do que eles, porque não somos. Alguns podem pensar que somos únicos porque, à diferença dos animais, queremos mesmo é ter riquezas e mais riquezas sem nos preocupar nem pelos outros nem pelas conseqüências que a exploração ilimitada de recursos pode trazer para a própria vida no planeta. Estes parecem estar certos.

Desde a queda do Muro de Berlim e do fim do socialismo real, o mundo ficou mais miseravelmente capitalista e selvagem. É o capitalismo materialista que parece ter se aliado ao cinismo do ‘salve-se quem puder’. O mundo transformou-se radicalmente. O objetivo primeiro e último da vida passou a ser, por ordem dos grandes senhores do capital: faça dinheiro do jeito que você puder e não pense nos outros a não ser para usá-los como degraus e apoios para escalar, para ascender. Numa palavra, explore os outros para seu próprio benefício. Tudo, então, deve ser reorganizado com esse objetivo. Eis a ordem do grão-senhor do dinheiro: organizem tudo com esse objetivo, começando pelas escolas. Escolas, colégios e universidades devem curvar-se à nova ordem mundial. A ordem que prega: “nosso deus é o mercado, nossa salvação é o capital, nosso reino será o da ambição” Daí se conclui facilmente: “reflita menos, explore mais”.

Os valores, então, se invertem. Mesmo aqueles que outrora diziam defender valores humanistas, valores espirituais e intelectuais, agora defendem — se não explicitamente, por meio de suas ações — valores exclusivamente monetários e materiais.

Que dizer para nossos filhos? Que profissão sugerir-lhes? Talvez aquelas profissões que visem a isso que o mundo quer: fazer dinheiro, custe o que custar. Mas nem todos temos filhos que possuem essa mentalidade ou se contentam com esse modo de ver as coisas. Que fazer com uma filha ou um filho que quer ser poeta, ou escritor, quiçá antropólogo, sociólogo ou filósofo? Que fazer com meninos e meninas que demonstram não ter inclinações para levar uma vida de idolatria do dinheiro?

Afortunada aquela sociedade em que se oferece uma alternativa profissional para aqueles cujo mundo não começa nem termina nos limites de seus estreitos interesses pessoais. Por que “afortunada”? Porque, nela, questões sobre justiça e moralidade, por exemplo, não deixariam de ser discutidas como conseqüência das práticas injustas e imorais comuns tanto no setor público como privado. Para que precisamos de pessoas que tenham tempo de se dedicar a tais ocupações? Para que haja quem tenha tempo e condições de refletir sobre as mazelas sociais do próprio estilo de vida escolhido pelo grande poder econômico e que se quer impor em todas as partes e de todas as maneiras.

Que sociedade que preste é essa que não prepara seus jovens para viver uma vida própria de seres humanos, isto é, uma vida em que não haja tempo nem condições para se refletir e questionar, uma vida em que se assumam como inquestionáveis e absolutos os valores do mercado?

É dever dos que têm o poder de tomar decisões na sociedade abrir as portas do futuro para os mais novos, incentivá-los para que desenvolvam todas suas potencialidades. E, principalmente, é dever dos que tomam decisões sobre o futuro dos jovens não claudicar, não dobrar-se ao poder do dinheiro. Pois nem todos temos essa grande capacidade de tirar partido dos nossos semelhantes, de explorar seu trabalho e de tratá-los como objetos e meios para o nosso próprio lucro e nossa própria vantagem. Mesmo que numa sociedade a maioria tenha como única ambição açambarcar dinheiro, há uma minoria que pensa diferente. E uma sociedade que se preze não pode desconhecer o direito de minorias nem, portanto, dessa específica minoria que tem como inclinação natural, não querer se enriquecer, mas refletir, pensar e produzir riqueza espiritual e intelectual. A história mostra que nem sempre a maioria está certa, muito pelo contrário. Assim, é interesse da sociedade incentivar e abrir as portas dessa minoria em particular.

Devemos defender, então, as instituições que preparam os jovens para uma vida de reflexão, para uma vida em que os valores não se confundam com aqueles que declarariam ter os porcos se pudessem falar, nos dizendo: o que vale é o que repleta nossas panças, mesmo ao preço da miséria dos outros.

Gonçalo Armijos Palácios
José Gonzalo Armijos Palácios possui graduação e doutorado em Filosofia pela Pontificia Universidad Católica Del Ecuador (1978 e 1982, respectivamente) e doutorado em Filosofia pela Indiana University (1989). Realizaou estudos de pós-doutorado na Indiana University em 1996 e 1997. Desde1992 é professor titular da Universidade Federal de Goiás. Tem experiência na área de Filosofia, atuando principalmente nos seguintes temas: filosofia, metafilosofia, filosofia política e ensino de filosofia. Participou do Grupo de Sustentação para a criação do GT Filosofar e Ensinar a Filosofar, em 2006, do qual foi seu primeiro coordenador eleito. Foi o fundador do Curso de Pós-Graduação em Filosofia da UFG (1993), da revista Philósophos (1996), do Curso de Graduação em Filosofia da cidade de Goiás da UFG, em 2008, e participou da criação do Campus Cidade de Goiás da UFG em 2009.
 
publicado originalmente na Coluna Ideias do Jornal Opção em 2005

Marcos Carvalho Lopes

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *