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Pecunia non olet (O dinheiro não tem cheiro)

Ensaio de Severino Ngoenha, Luca Bussotti, Eva Trindade, Giverage Amaral, Carlos Carvalho

O imperador Vespasiano – pai das casas de banho públicas, que tanta falta nos fazem ainda hoje – nunca teria imaginado que a expressão “pecunia non olet” (o dinheiro não tem cheiro), aplicada à sua tributação, pudesse adquirir o significado ambíguo e tenebroso que tem hoje. Aliás, as chiraques (casas de banho públicas em Paris, feitas construir pelo então presidente da Cidade da Luz) custavam um franco da defunta moeda. Se vespasianamente o tributo não tem cheiro, independentemente da sua proveniência, isso legitima que a corte de advogados que defendem Manuel Chang em Johanesburgo (e não se percebe bem a quem e o quê em Londres) tem, como os sofistas contra Sócrates, a razão pecuniocrática ao lado deles. E quid do princípio grego de “isonomia”, a igualdade de todos diante da lei (nomos) que funda o direito moderno?

A “pecunia not olet” resistirá ao cheiro imundo de cadáveres que continuam a cair pelo mundo fora, enquanto empresas farmacêuticas – depois dos bigdatas –fazem negócios estratosféricos? Se pecúnia não tem cheiro, os cadáveres – ainda mais dos que os chiraques – têm.

Os iluminados ingleses (liberais),  até se levantaram contra as teorias racistas de um Hegel e  Gobineau,  contra as contradições de Locke e dos chamados pais fundadores americanos (defensores da liberdade e ao mesmo tempo proprietários de escravos)  e combateram  a escravatura, não em nome de direitos humanos ou do mercado livre, que nunca respeitaram – mas para pintar um quadro estético-liberal numa “perspectiva”, que nem mesmo os mestres renascentistas – Leonardo da Vinci, Michelangelo Buonarroti, Rafael Sanzio – ousaram pintar: transformar escravos indolentes (resistentes) em mão-de-obra (livre) barata mas muito mais produtiva.

A pecúnia não tem cheiro, mas como o velho liberalismo do século XIX tem dono, nações (Adam Smith) – e hoje indivíduos (Stuart Mill) – cujas riquezas, saberes, tecnologias, universidades não seriam o que hoje são sem a acumulação primitiva do capital (Karl Marx), feita com a escravatura dos africanos e o colonialismo e, hoje, com juros de dívidas e dívidas ocultas (não só as já conhecidas, mas outras ainda mais ocultas). O dinheiro sem cheiros tem os seus gostos e sabores, Os  COVIDáveis e os inCOVIDáveis ao ágape da vacina, os vacináveis e os inconvenientes.

Parece estarmos numa post-configuração estética invertida; os músicos de Harlem de Langston Hugues que tinham que tocar para uma sala em delírio, mas detrás de uma cortina para não incomodar os convivas com a feiura da sua negritude. Hoje, esses indesejados,  veem nos écrans da televisão a expressão dantesca do número dos seus  infectados e mortos quotidianamente a subir, mas os tempos da vacina a se afastarem; assistem impotentes e desesperados à guerra (real ou suposta) entre os adeptos  de uma “diplomacia vacinal” da COVAX  (Alianças para as Vacinas e CEPI – Coligação para a Inovação em matéria de preparação às pandemias), e os defensores  do “vacio-nacionalismo” que teve em Trump o seu maior apóstolo com o ‘verbum’  “America first!”. Mas quem não sabe que as diplomacias são outras hipocrisias chiques (em salões com champanhe, foie gras…) para defender os mesmos objetivos vacionacionalistas do rude Trump? 

Não foi o que demonstraram os conflitos recentes entre a Astra, a união Europeia e o Reino Unido?

 Os africanos assistem ao leilão do que é apresentado (a vacina) como a nova e única salvação (o novo Cristo), como os amantes da arte, pobres, assistem à elevação de mediocridades – por força da pecúnia e propaganda – em obra prima, ou de artesanato em arte pelas inglesas Sotheby’s e Christie’s.

Não é assim que no post colonial mentecaptos, sem talento nem aquilo no lugar (por obra das Sothebys e Christies da política – e da economia) foram elevados a génios da política e com grande talento artístico, que em vez de incentivar a criatividade e abnegação perante a COVID, fecharam as universidades (ou o que resta delas) e meteram-se, acriticamente, na mendicidade? Não são eles hoje a comprar vacinas de água (que os produtores recusam usar) pagáveis “gratuitamente”, como todas as ofertas, com contrapartidas em ouro, terra, minas, petróleo? Não é deles que se espera o negócio rentável do futuro, o turismo vacinológico?

Não é preciso ser profeta para saber que o principal problema post-covid sem precisarmos de Gretas Thunberges, de ecologistas nem decrecionistas (André Gorz e Serge Latouche – será o ambiente, mas também o número de bocas por alimentar que todos os demógrafos rezam pragas para a sua redução. Quem são essas bocas que imperativamente tem que se diminuir? 

Ha anos atrás o filósofo guineense Filomeno Lopes escreveu um livro com um título quase escatológico: E se a África desaparecesse do mapa mundo?

Pecunia non olet (o dinheiro não tem cheiro), mas tem aversão aos pobres e a pobreza tem uma raça e até um continente.

Ensaio de Severino Ngoenha, Luca Bussotti, Eva Trindade, Giverage Amaral, Carlos Carvalho

Marcos Carvalho Lopes

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