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Os filósofos que postulavam tratar de verdades eternas também acreditavam que sua forma de pensamento seria independente de fatores culturais, sociais ou económicos. Contra essa pretensão é comum que os sociólogos construam narrativas em que demonstram a correlação entre determinadas posições sócio-económicas e o conjunto de ideias que ela potencializa. Mais do que isso, sociólogos das ideias trataram de percorrer a história da filosofia mostrando como a busca por reconhecimento dentro da hierarquia da “comunidade de filósofos” promoveria escolhas e mudanças conceituais. É isso o que Randall Collins faz em seu enorme e importante The Sociology of Philosophies:a global theory of intelectuall change. O autor procura demonstrar que é a busca por ampliação do espaço de atenção (“attention-space”), por reconhecimento dentro da comunidade de filósofica (para se posicionar como líder ou como membro de um grupo), é o que motivaria alguém a engajar-se seriamente na defesa de diferentes argumentos.[1]
Por exemplo, para Randall Collins o idealismo alemão seria uma contraparte do processo de revolução académica, afastando a universidade do domínio da Igreja e instituindo a autonomia dos pesquisadores para definir os seu próprios caminhos, tendo poder para assumir todas as esferas da vida intelectual.[2] O idealismo alemão teria se espalhado por diversos países (Inglaterra, Estados Unidos, Itália, Suécia etc.) acompanhando a importação do modelo de secularização da Universidade alemã. Além disso, os antigos anseios intelectuais concentrados no campo da Filosofia foram desmembrados pelo crescente processo de especialização académica. Tal especialização influenciou também a forma como a Filosofia se desenvolveu desde então, dialogando com outras áreas do conhecimento de modo a ampliar o seu próprio espaço de atenção.
Segundo Collins, a essência da criatividade filosófica não estaria relacionada a existência de génios individuais, mas, sim, as reordenações dos espaços de conversação que só permitem que um pequeno número de filósofos ocupem o centro do palco filosófico. (p.90). O autor fala da lei do pequeno número (law of small numbers) segundo a qual o número de centros de convergência de conversação varia entre três e seis autores, que se destacariam na disputa pelo limitado espaço de atenção. (resenha de Gross p. 836). Para ocupar um destes lugares centrais não basta que este esteja vago, nem a posse de imenso capital intelectual: seria necessário impressionar figuras proeminentes desta rede de conversação, articulando crenças comuns a esta elite em um mesmo pano de fundo. Para ser protagonista no teatro filosófico seria imprescindível a autorização de outras grandes figuras da trama; conhecer os pressupostos deste palco comum e, assim, se posicionar no centro dos debates de seu tempo.
É nessa direção que Collins explica o contraste entre o sucesso de Hegel e (relativo) fracasso de Schopenhauer. O primeiro estaria mais familiarizado com o universo académico e teria capturado grande atenção ao se aproximar da historiografia, movimento que esteve na primeira onda da constituição das disciplinas académicas; também a seu favor, Hegel teria o fato de que existiam diversas tendências filosóficas ocupando espaço no palco filosófico quando ele apareceu se colocando no centro, articulando-as e, deste modo, produzindo sua própria ascensão. Schopenhauer, embora tivesse uma ótima teia de relações, teria aparecido muito tarde e mantinha uma visão que não dava valor a História, o que contrariava o impulso reformista alinhado com a formação de disciplinas ligadas aos estudos históricos e sociais. Hegel teria sido energizado pelo espaço de atenção que conquistou, já Schopenhauer, ante a pouca atenção teria perdido energia emocional, declinando em direção a neurose; o que o fez desistir precocemente de dar aulas. Para Collins os dois autores produziram obras criativas, porém o que justifica a maior atenção que Hegel conseguiu são mais razões estratégicas do que alguma forma de mérito filosófico.[3]
[1] COLLINS, Randal. The Sociology of Philosophies: A Global Theory of Intellectual Change. Cambridge, MA: Havard University Press, 1998.
[2] COLLINS, Randal. The Sociology of Philosophies: A Global Theory of Intellectual Change. Cambridge, MA: Havard University Press, 1998. p.618.
[3] GROSS, Neil. “Review: Randall Collins, The Sociology of Philosophies: a Global Theory of Intellectual Change”. In: Theory and Society, vol.29. n.6. Dez., 2000. p.858-859.