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Renato Russo não estaria em cima do muro

Renato Russo sempre denunciou a opressão militar e os perigos do fascismo, defendendo uma luta inclusiva por justiça social e direitos humanos.

Numa entrevista recente, Carmem Manfredini, irmã de Renato Russo, disse não saberia qual seria a posição do irmão diante da polarização política atual, ressaltando que ele afirmava ser “apolítico”, e que votava em candidatos e não em partidos. Nesta questão, Carmem faz uma afirmação incoerente com a obra e o discurso público de Renato Russo, que sempre denunciou a opressão das forças militares , volta e meia denunciava a viúvas da ditadura e os perigos de ascensção do fascismo (com Pier Paolo Pasolini, pensava em sua infiltração no cotidiano).

É verdade que atuação política de Renato como eleitor foi marcada por uma postura de afirmação dos direitos individuais, que celebrava o espaço de autocriação e chegou a acreditar nas promessas da democracia, mas percebeu que, para que esse sistema político se tornasse um modo de vida, seria necessário muito tempo de desintoxicação em relação ao autoritarismo do tempo da Ditadura e muito engajamento da sociedade civil em campanhas como a de Herbert de Souza (Betinho) contra a fome. Dizem que na eleição de 89 Russo delarou voto para presidente em Roberto Freire (candidato do Partido Comunista Brasileiro), mas posteriormente teria dito que se equivocou pensando que o candidato seria o homônimo psicanalista reichiano.

Renato tinha críticas severas em relação a esquerda, seguindo de perto as posições de Hebert Daniel, para quem o machismo e a homofobia eram muitas vezes reafirmados nas posturas políticas ou em práticas efetivas. Isso não significa de modo algum que Renato fosse contrário à luta por justiça social, mas considerava que a defesa dos direitos humanos deveria ter uma dimensão plural e inclusiva, reconhecendo as diferentes identidades, formas de vida e modos de buscar a felicidade.

Não por acaso, depois do depoimnento de Carmem, no chat muitas vezes reapareceram os versos da canção La maison dieu lançada em 1997 no álbum póstumo da Legião Urbana Uma outra estação: “Eu sou a lembrança do terror/ De uma revolução de merda/ De generais e de um exército de merda/ Não, nunca poderemos esquecer/ Nem devemos perdoar// Eu não anistiei ninguém/ Abra os olhos e o coração/ Estejamos alertas/ Porque o terror continua/ Só mudou de cheiro/ E de uniforme”.

Renato Russo era amigo de Marcelo Rubens Paiva e, se estivesse aqui, vibraria com o sucesso do filme e da luta contra qualquer forma de anistia para militares/golpistas/torturadores/fascistas/machistas/homofóbicos/racistas/fundamentalistas… gente que, de modo autoritário e por meio da violência, quer impor sua forma preconceituosa de viver. Nesse conflito, Renato Russo não estaria e nunca esteve em cima do muro.

Marcos Carvalho Lopes

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