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trecho de Canção de Lawino (Okot p’Bitek)

Canção de Lawino (Okot p’Bitek)

Meu marido leu muito com os Brancos
Leu tudo, em profundidade.
É tão instruído quanto os Brancos.
Mas a leitura o destruiu,
Separou-o de seu povo.
Ele é como um tronco sem raízes.
Ele objeta tudo o que é acholi
E diz
Que os costumes dos Negros
São Negros
Porque seus olhos rebentaram.
E ele usa óculos pretos
E em sua casa há uma escuridão de floresta!

A casa de meu marido
É uma floresta de livros!
Alguns deles são imensos,
Grandes como as árvores tido.
Alguns deles são velhos,
Com suas cascas se soltando.
E têm cheiro forte;
Outros são finos e moles
E outros têm dorsos
Duros como o tronco de rocha
Das árvores poi.
Alguns são verdes,
Outros rubros como sangue,
Outros pretos e oleosos
Com dorsos que brilham
Como a serpente venenosa ororo
Enrodilhada em cima de uma árvore. 
Alguns têm figuras no dorso,
Rostos de homens e mulheres que parecem bruxos
Barbados, orgulhosos, 
Com grandes barrigas,
Com faces encovadas e ares
Rabugentos, vingativos,
Figuras de mulheres e de homens
Há muito tempo mortos.
A mesa de meu marido é recoberta
De uma pilha assustadora de papéis,
Como plantas gigantescas
Crescendo nas florestas
Ou a árvore kituba
Que mata as outras árvores,
As sufoca.
A casa de meu marido
É uma enorme selva de livros.
Ela é escura, tudo nela é diluído,
Um vapor quente, espesso,
Envenenado,
Ergue-se do chão
E se mistura à penetrante umidade
Do ar
E às gotas de chuva que se juntam
Nas folhas.
Sufoca-se
Quando se fica lá por muito tempo,
Arruína-se a língua e o nariz,
A ponto de não se poder mais
Sentir o refrescante odor do óleo
de sésamo
Nem o gosto do malakwang.

Okot p’Bitek era um poeta de Uganda, que alcançou amplo reconhecimento internacional por Song of Lawino, um longo poema que lida com as tribulações de uma esposa africana rural cujo marido assumiu a vida urbana e deseja que tudo seja ocidentalizado.

Marcos Carvalho Lopes

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