Por José P. Castiano
O autor escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico
Representa o surgimento repentino e fugaz do Covid-19 o fim do que restava do humanismo Ubuntu? Ou, por outra, o fim da compaixão, da partilha e da solidariedade, valores-bandeira do espírito Ubuntu? Como renovar a utopia crítica da tradição (Fabien Eboussi-Boulaga) perante o fenómeno Covid-19? O que será o proprium da filosofia Ubuntu na refundamentação ética perante este novo fenómeno? Estamos já em plena era do pós-humanismo do qual o Covid é o seu sinal mais globalizador possível?
Estas são as questões e reflexões que ocorrem nestes dias. Mas mais do que questões e reflexões, trata-se sim de meditações inspiradas pela filosofia. A resposta a todas as perguntas, na perspetiva do Ubuntu, é: NÃO! Porque o combate contra o vírus Corona tem o seu sentido último e profundo quando é feito pela vida em geral, no nosso planeta, e pela vida humana, em particular.
A filosofia, desde o Egipto ou Grécia e dependendo da posição filosófica de cada um sobre o local onde ela nasce, ocupa-se das causas últimas e das finalidades das coisas e dos fenómenos da natureza, sociedade e pensamento; que, sem elas, estas coisas e fenómenos, nos apareceriam caóticos, isto é, sem sentido e significado. Assim, as nossas meditações nos últimos tempos, são em torno do Covid 19, com a finalidade de compreender o sentido e o significado que este fenómeno tem para a humanidade, enquanto substantiva (totalidade de homens e mulheres) e adjectiva (como valor). E a resposta é: a causa e finalidade últimas é a vida humana. O termo “vida humana” tem aqui, em consequência disso, um duplo sentido: o da vida do Homem ou Mulher e de uma vida levada com humanismo. Por isso, meditar sobre o por quê cada um de nós, como indivíduos, famílias, comunidades, cidades ou nações, e o mundo, devemos combater o Covid 19, é também pensar sobre a causa última, o significado e o sentido da vida individual e colectiva.
A causa última da vida humana é a preservação da própria vida, na sua totalidade e na natureza. Ao pensar na sua própria vida humana, o Homem intrinsecamente pensa nas vidas de outros seres planetários, vidas estas de que este Homem, pela sua capacidade de comunicar-se (linguagem), é o seu “guardião” (Heidegger). Pois, a vida humana é o único fenómeno natural, social e individual cuja última causa, sentido e significado estão em si mesma, não fora dela, como no caso de outras coisas.
Desde que se mundializou o fenómeno Covid 19, até agora, já vimos e ouvimos algumas explicações que se confundem com causas últimas; e, por isso, são pseudo-causas. Alguns atribuem à vingança da Natureza que está a tratar de eliminar, do seu seio, o vírus mais perigoso que ela própria, a Natureza, jamais engendrou das suas próprias entranhas – o próprio Homem. Ao dizerem isto, fazem eco à voz apocalíptica mais veemente dos últimos tempos em defesa da Natureza, a da jovem Greta Thunberg. Outros ainda aventuram explicações segundo as quais este vírus surgiu como fruto de uma criação e maldade humana laboratorial, tendo-se ele escapado das suas mãos e do controle provetal. Outros ainda conseguem vislumbrar o fim do capitalismo financeiro global, fazendo antever uma jamais vista crise económica que vai coincidir com um colapso total dos mercados, anunciando uma era pós-coronavírus: o mundo já não será o mesmo – dizem!
Até agora, também já ouvimos “conselhos” de ordem material e de ordem comportamental para as acções de prevenção e combate a este novo vírus. Entre os conselhos materiais está a compra da maior quantidade possível de alimentos para a quarentena, o comer saudável, beber água quente com limão várias vezes ao dia, fazer garguejos de sal e vinagre, fazer bafos de eucaliptos, etc.; tudo isso para fortificarmos o nosso corpo por forma a prepararmo-nos para o próximo certificado dos certificados – o Certificado de Imunidade (anunciado na Alemanha até agora; Portugal parece estar em vias de adoptar). São, de facto, velhos conselhos, agora que se tiram das gavetas por conta do novo vírus, que, repiso, vale a pena seguir. Mas disso tratam os agentes e as autoridades sanitárias melhor do que nós.
Entre os conselhos de ordem comportamental estão as campanhas de “ficar em casa”, “lavar mãos”, “distanciamento social”, “não apertar mãos”, limpar superfícies e mãos com desinfectantes (javel, álcool gel), não visitar doentes no hospital ou nas casas para idosos, não ir aos restaurantes, não fumar e nem consumir bebidas alcoólicas e até mesmo evitar aglomerados acima de um determinado número de pessoas (de mais de duas a 50, dependendo dos casos). E tudo isso ouvimos, de novo, quer seja pelas autoridades de saúde nacionais e internacionais, quer nos diversos programas televisivos e noticiários radiofónicos, e quer, sobretudo, pelas redes sociais possibilitadas pelo alastramento da internet.
Ora, estes todos conselhos, apesar de serem importantes, o homem encontra-se fatigado e esgotado deles. Ouvimo-los até quase o terceiro ou quarto dia do confinamento em casa. Depois vem o cansaço sobre o que fazer; falta-nos um “porquê” que dê sentido e significado a tanto sacrifício. Do que doravante estaremos sedentos, enquanto humanos e guardiãs da vida na sua totalidade e fora de nós, como homens e mulheres, para prosseguirmos o combate contra o Covid 19, é de um aconselhamento espiritual-filosófico. Precisamos desta dimensão de aconselhamento porque ela, não somente fundamenta as medidas dos governos-do-dia, como sobretudo fortifica e renova as nossas forças vitais, já em si mesmas mortificadas e fatigadas.
É esta última dimensão, a espiritual-filosófica, que faz vislumbrar a causa última (a vida na sua totalidade, não somente do homem!) por trás de cada um dos aconselhamentos materiais e comportamentais que ouvimos e imitamos de outras partes do mundo. Isto equivale a dizer que precisamos de novas fundamentações éticas que estejam no substracto dos aconselhamentos materiais e comportamentais e que nos levem a compreender as exigências de mudanças comportamentais a que o Covid 19 nos obriga hoje. Esta mudança de comportamento, baseada numa nova fundamentação da ética, é uma exigência para que vença a vida humana e a humanidade do homem, ao mesmo tempo que cuidamos do palco da nossa historicidade (P. Sloterdijk; Felizardo Pedro, tese de doutoramento) sem o qual a vida não será possível ser preservada por muito tempo – a Natureza.
A ética inspirada na filosofia Ubuntu é a única que (ainda) escuta a Natureza, porque anda próxima dela; diferente é o caso de outros continentes, especialmente a Europa, que a sua ética já perdeu esta proximidade com a sua própria Natureza. Isto porque, em África em geral, a prevenção e cura de muitas doenças, a preservação da própria vida humana, entre outros, dependem muito do que o imediato natural oferece como alimento da agricultura familiar e remédio recolhido directamente da vegetação e da fauna disponíveis. Dependem ainda muito pouco das tecnologias e do trabalho laboratorial in vitro. Por isso, o recurso próximo mais próximo que possuímos para enfrentar o Covid 19 é uma ética informada e inspirada a partir da filosofia Ubuntu. Neste momento de crise e de certa desorientação quanto à natureza desta nova pandemia, não podemos abandonar e nem deixar de recriar a “tradição crítica” do pensamento africano. Este é o trabalho da filosofia (Eboussi-Boulaga). E devemos perceber este esforço Ubuntu de recriação do sentido e do significado das medidas para combater o Covid 19 como parte integrante da busca de soluções para um problema mundial, com base em soluções endógenas originais, que são sempre as melhores e autênticas (Maponga Joshua III). Insisto, esta é a única forma de fazermos parte da busca de soluções locais aos problemas universais com que nos confrontamos, tal como o estão a fazer outras regiões.
Assim sendo, e tendo ficado claro o pressuposto sob o qual trabalho – i.e., que a partir da perspectiva Ubuntu, a preservação da vida do Outro é um bem maior consubstanciado no “eu sou porque tu és” – podemos adiantar as seguintes meditações relativamente ao significado e sentido de cada uma das medidas em curso, agora que escrevemos e com base no conhecimento que já existe sobre o Covid 19:
- Lavar as mãos: este acto diário era antes feito de forma mecânica, como um hábito, levando pouco tempo do que é exigido agora (50 a 60 segundos). Agora deve-se fazer de forma concentrada e reflexiva, cultivando a “demora”, a “vagarosidade” ou ainda sentindo o “aroma do tempo” (Byung-Chul Han). Assim, podemos associar à máxima Ubuntu segundo a qual “uma mão lava a outra, e as duas lavam a cara”, considerando o momento de prevenção da Covid 19, as duas podem salvar a nossa vida e a do Outro; sendo este “Outro” não um sujeito qualquer, abstracto, senão um “próximo mais próximo” (propaganda da Unitel de Angola) concreto, das nossas relações imediatas, como sejam o filho ou a filha, o ou a cônjuge, os pais, os avós, a namorada ou o namorado, etc.
- Distanciamento Social: na realidade, o distanciamento social foi traduzido, para nós, do inglês (social distancing). No mínimo, devia tratar-se do distanciamento físico e de nenhuma forma “social”, como aliás a própria Organização Mundial de Saúde já reconheceu, acabando por abandonar este termo para “distanciamento físico”. Mas, infelizmente, ainda algumas emissoras e televisões mundiais, sendo a CNN uma delas, continua a usar o anterior (estou a escrever a 7 de Abril). Mesmo assim, insisto que o sentido e significado, a sua justificação Ubuntu, deveria ser o de “atenção pelo Outro” para a protecção da vida deste outro em primeiro lugar. E da nossa própria, em segundo plano. Preservar-se-ia, assim, o sentido original do “eu sou porque tu és”. Este “distanciamento” físico pode tornar-se em atenção e aproximação ao Outro por via dos meios modernos de comunicação e redes sociais. Aliás, estes meios proporcionam exactamente o oposto do “distanciamento”: a aproximação do próximo mais distante para contacto individual ou em grupo, mais intenso do que antes da aparição das redes sociais.
- #Fique em Casa: este seja, talvez, o mais interessante aconselhamento comportamental, uma vez que nos devolve o tempo e uma parte de vida humana que já estavam em extinção, primeiro na condição moderna, continuada e consumada na hipermoderna (Giles Lipovetsky) e neoliberal. Jürgen Habermas já tinha notado que uma das doenças da modernidade é o alargamento desumano da acção racional para todas as esferas do “mundo-da-vida”, em detrimento de outras acções mais humanistas como sendo a comunicativa, a tradicional, e assim também a sentimental. O confinamento diário às fronteiras e paredes da casa obriga-nos a reprogramarmos todo o sentido e significado de uma vida qualitativa que nos foi, até agora, impingido pela propaganda materialista neoliberal de acumulação estética e narcísica excessiva (a hipermodernidade de Lipovetsky). Agora, famílias voltam a unir- se, cada um começa a ter tempo disponível para si mesmo (leitura, cuidar do corpo, meditação) e, ao mesmo tempo, para o Outro, “o próximo mais próximo”. Aumenta o tempo de escuta do Outro. E, sem um aconselhamento psicológico informado pelo Ubuntu, pode também aumentar o tempo de violência verbal e psicológica de um para o Outro. O stress social, acumulado num ambiente competitivo das sociedades da era digital, pode, agora, rebentar num ambiente familiar. Mas também damo-nos conta de que é “trabalho” também fazer limpezas, lavar a louça, organizar a roupa, enfim, tomar conta da casa, coisas essas deixadas para os trabalhadores domésticos. Paradoxalmente, convivemos com uma realidade frustrante – a de que temos “muito tempo”, apesar de, na verdade, este não é assim tanto como pensamos. O ficar-em-casa retorna-nos ao sentido original da palavra economia, nomeadamente o de organizar a casa (oikos), ou lei, costume ou ainda gerir e administrar a casa. Com o “#fiqueemcasa” por causa do Covid 19, vemo-nos todos, de repente, administradores e gestores da casa ou da família. Convém aqui recordar que, na perspectiva Ubuntu, a família – embora seja na sua versão de família alargada que inclui avós e avôs, tios e tias, irmãs- primas e irmãos-primos, etc. – foi sempre e ainda é o núcleo a partir do qual giram os processos sociais, desde a educação até à saúde (a maior parte das famílias africanas, senão todas mesmo, possuem um médico tradicional no seu seio). Talvez não exista no mundo, no sentido endógeno, lugares que ultrapassem África em termos de densidade de educadores e médicos tradicionais que acompanham as famílias. Infelizmente, até agora na fase em que nos encontramos do imaginário “ficar-em-casa”, obrigados pelo Covid 19, ainda somente pensamos nas zonas urbanas. Ainda não exploramos o sentido e o significado do ficar-em-casa do ponto de vista da família (alargada) africana e das suas redes educadoras e medicinais para o Covid 19. Como dizia recentemente a veterana Graça Machel na sua entrevista para a STV, “ainda não contextualizamos as mensagens” de combate a este novo vírus tendo em conta as zonas rurais e o contexto de famílias pobres. Eu acrescentaria, o de famílias que vivem com base nas suas tradições locais e que ainda não receberam mensagens próprias.
- Evitar a Cultura do Pânico: é-nos aconselhado a filtrar as informações das redes sociais e, em consequência disso, incentivam-nos a não reencaminharmos, de qualquer maneira, mensagens que inundam, provenientes das redes sociais, minuto a minuto, o nosso telemóvel. Porque ao reencaminharmos as mensagens para outros ou grupos, faríamos parte de uma cadeia que promove uma “cultura pânica” pós-moderna, ou seja, uma “atitude perecial em relação às potenciais catástrofes”, sem, no entanto, chegarmos ao histerismo que caracterizava esta mesma cultura na a modernidade (P. Sloterdijk). Pan é o deus grego que aparece ao meio-dia, quando a sombra de tudo e todos é muito curta e as pessoas buscam desesperadamente por uma sombra maior, para fugir ao sol intenso. Ficam em pânico. E é, quando estamos em pânico, que se põe à prova o comedido na alma humana. Para evitar o alastramento do pânico, as autoridades têm aconselhado as pessoas a usarem as fontes oficiais (autoridades da saúde em campanha, as posições da Organização Mundial da Saúde, assim como as organizações regionais de saúde pública). Ora, por natureza própria reconhecida, o Ubuntu exibe como símbolo a serenidade de um velho sábio, que mais escuta do que fala, que mais se entrega ao pensamento do que cultiva o ímpeto da crítica social, embora a faça no quadro da sua retórica e no uso da palavra próprias, que aliás cultiva com intensidade. Uma educação Ubuntu, que pense numa nova pedagogia anti-pânica e anti- catastrófica, uma pedagogia de celebração do Outro, pode muito bem ser um recurso neste momento de incertezas. O Ubuntu pode auxiliar no cultivo da serenidade individual e colectiva perante o ímpeto do reencaminhamento de mensagens deturpadas (exemplos recentes: circula um vídeo que mostra supostos passageiros vindos da Itália a aterrarem no Senegal, atribuindo-se o pânico de passageiros em agonia ao Covid 19, enquanto que, na verdade se trata de um vídeo muito anterior à eclosão da actual pandemia e que mostra um ensaio dos membros da securitat senegalesa numa simulação de pirataria aérea. Um vídeo semelhante, mostrando pânico no exterior de um banco a ser assaltado, mas atribuído a causa ao Covid 19. Estes exemplos foram retirados da SIC Notícias de 6 de Abril).
- Uso de Máscaras: quanto a isto, podemos, com alguma ironia, ou uma “mentira da verdade” – como canta Azagaia – que o mundo da pós-Covid 19 vira-se rapidamente para o Oriente e abandona lentamente o Ocidente. Senão vejamos: (i) O vírus eclode na China, chamando ao mundo a atenção de uma cidade chinesa até agora “ilustre desconhecida”, apesar dos seus milhões de habitantes – a cidade de Wuhan; (ii) O aconselhamento de saudações que evitem o contacto das mãos, juntar as mãos e mantendo uma distância, é tradicionalmente japonês e que agora se tornou muito saudável (sem profecias, acho que o mundo pós-vírus vai adoptar esta forma de saudar, principalmente entre desconhecidos); (iii) Por fim, o que chamamos “máscara” para evitar espalhar ou infectar-se com as gotículas que entram para o nosso corpo pelo nariz, olhos ou boca, tem vindo a ser uma tradição das mulheres islâmicas e que, por causa da psicose do “terrorismo”, o Ocidente estava galopante em abolir a burca muçulmana (também chamada chadri ou paranja na Ásia Central). Os países europeus, nomeadamente a França (2010), a Bélgica (2011), a Bulgária (2016), Itália e Holanda (ambos em 2015), Dinamarca (2018) e parcialmente na Alemanha baniram o uso da burca. A estes países juntaram-se os Camarões (2015) e Siri-Lanka (2019). Hoje, o uso da máscara está a ser ponderado como uma forma de evitar o contágio pelas gotículas do Covid 19. Uma das características milenares dos Bantu foi receber, de mãos e corações abertos, hóspedes “vientes” asiáticos e europeus que vinham para cá com toda a sua bagagem comercial e institucional. Os Bantu construíram uma tradição de hospedar e absorver, sem porém abalar profundamente a sua estrutura cultural de base, as suas formas ancestrais de vida em todas as esferas – Placid Tempels, com todos os problemas metodológicos que se lhe possam imputar, e apesar deles, já teria constatado esta tendência do munthu, em circunstâncias existenciais, regressar à sua força vital. Assim, há zonas em África, incluindo Moçambique, que são islâmicas e não fizeram do uso da burca pelos crentes muçulmanos, especialmente as mulheres, um drama social. Convivemos com famílias que a usam, ou mesmo existem membros do interior de muitas famílias moçambicanas, nas quais uns usam a burca e outros não. Por isso, no uso ou não da “máscara” para se defender do Covid 19, a velha paciente Ubuntu não irá fazer um drama em redor disso, desde que a causa última (manter a vida humana nos dois sentidos acima descritos) esteja presente enquanto a explicação última. E assim terá que ser nos funerais, nos casamentos e outras cerimónias sociais (e isto já foi matéria de Decreto Presidencial). A propósito, esteticistas africanos já estão a adoptar a capulana como “máscara”, e recomenda-se que se conformem com os requisitos recomendados pelas autoridades de saúde.
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Resumindo, penso que o desafio perante o qual a mundo inteiro se coloca em relação a esta pandemia específica, é o de conseguir comunicar-se globalmente para coordenar as acções comuns de prevenção e combate para todas as nações e povos, ao mesmo tempo que essas mensagens são contextualizadas. As novas formas de comportarmo-nos (evitar aglomerados, distanciamento físico, ficar em casa, desinfectar-se, etc.) devem ser contextualizadas não somente em termos de línguas e linguagens, como também e sobretudo em atenção às culturas particulares, à situação socioeconómica de cada grupo de pessoas, e mesmo em atenção ao digital divide entre as pessoas.
No caso particular dos africanos, faço notar que em momentos de crise e desorientação política, como foi o caso da era pós-apartheid na África do Sul, o espírito ubuntu foi uma reserva ética maior para a reconciliação da sociedade. Esta ética inicialmente pensada e inspirada no contexto de comunidades pequenas, foi capaz, devido ao génio de Mandela, de transbordar para a dimensão de sociedade-nação. Hoje, perante a crise global da existência da vida humana, o “eu sou porque tu és” pode ser re-mobilizado para uma solidariedade de escala mundial. Parece uma missão impossível nos tempos do materialismo e individualismo narcísico dos tempos neoliberais. No entanto, “tudo parece impossível, até que se faça acontecer” (Mandela), por via de resiliência e luta.