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Dialética e sofística I: A dialética e a filosofia

Desde seus inícios, a dialética esteve atrelada à busca da verdade, para o qual teve de enfrentar uma técnica formidável: a sofística

Gonçalo Armijos Palácios*

Nos artigos anteriores tratei sobre a maiêutica socrática e a versão platônica. O método interrogativo em que ela descansa, contudo, parece não ser muito diferente do empregado por Parmênides, um dos mais importantes filósofos pré-socráticos e, sem dúvida, um dos pilares da filosofia ocidental. Platão, ao que parece, não só foi profundamente influenciado pelo pensamento desse filósofo como pelo seu método de filosofar por meio de interrogações, isto é, semelhante ao seguido por Sócrates. Se Platão, à diferença de Sócrates, usava o diálogo interrogativo para chegar a resultados positivos, seu método, então, deve ter se aproximado muito mais ao de Parmênides do que ao de seu mestre. E isso também parece insinuar que o próprio Sócrates se inspirou, para sua maiêutica, do método interrogativo de Parmênides. No diálogo O Sofista, há uma referência muito significativa ao método interrogativo de Parmênides. No início do diálogo, há um intercâmbio entre Teodoro, Sócrates e o Estrangeiro. Sócrates pede ao Estrangeiro que explique a diferença entre o sofista, o político e o filósofo. Antes, porém, deles entrarem no assunto, deixam claro como deverá ser conduzida a discussão, se como uma palestra ou em forma dialogada. Diz Sócrates ao Estrangeiro: “Não queiras, pois, estrangeiro, recusar-te ao primeiro favor que te pedimos. Mas dize-nos antes se, de costume, preferes desenvolver toda a tese que queres demonstrar, numa longa exposição ou empregar o método interrogativo de que, em dias distantes, se servia o próprio Parmênides ao desenvolver, já em idade avançada, e perante mim, então jovem, maravilhosos argumentos”?

A maiêutica, a dialética e sofística

Dos diálogos platônicos podemos inferir uma diferença importante entre maiêutica e dialética e sofística. A maiêutica, como o procedimento usado por Sócrates, consistia em, por meio de perguntas e respostas, mostrar ao interlocutor que ele não sabia realmente de que estava falando. Seu objetivo não era epistêmico, isto é, não era o conhecimento e a verdade dos assuntos discutidos. O objetivo era fundamentalmente ético. Sócrates pretendia — erroneamente, como sua morte provou — que a pessoa a quem ele levava a se contradizer terminaria reconhecendo sua ignorância e se tornando mais virtuosa. No caso de Platão, o interlocutor chegava a resultados positivos e — esse era o objetivo perseguido — a reconhecer que sempre soube o que chegou a concluir pela influência do interrogatório, mas que estava esquecido. No caso de Platão, o que importava era a verdade e o conhecimento, não o melhoramento ético do interlocutor. Obviamente, esse deve ter sido também o objetivo de Parmênides e é isso que fica claro na passagem que acabei de citar. Num outro sentido, a maiêutica socrática também tinha como alvo a verdade, não sobre os fatos em si, mas sobre o caráter dos interlocutores: evidenciar sua prepotência, sua arrogância e sua ignorância. Com efeito, os interlocutores até poderiam dizer coisas verdadeiras, mas ficava claro no diálogo que eles não sabiam se eram ou não verdadeiras já que passavam de uma contradição a outra.

Num sentido negativo, a maiêutica socrática, a platônica e a dialética de Parmênides coincidiam nisto: eram métodos que evidenciavam o erro, proposital ou não, dos que diziam saber certas coisas. A discussão não era um fim em si, era um meio para desvendar a verdade ou a falsidade e, sem dúvida, denunciar o falso saber.

No início do Sofista há uma referência a essa técnica de discutir pelo mero afã de discutir ou para se cobrir de glória. Sócrates parabeniza Teodoro por ter trazido consigo o Estrangeiro desta maneira: “Certamente quem te acompanha é um desses seres superiores que virá observar e contradizer, como refutador divino, a nós que somos fracos pensadores”. (216 b) Teodoro, no entanto, esclarece que o Estrangeiro não é um mero refutador, como eram os sofistas, que se compraziam em discutir sobre o que for pelo mero prazer de refutar os outros — sempre, isto é, que fossem bem pagos para isso: “Tal não é o costume do nosso estrangeiro, Sócrates. Ele é mais comedido do que os ardorosos amigos da Erística”. (216 c) A erística era a arte da controvérsia. A arte de discutir, não para meramente refutar, ou para se encher de glória ou de dinheiro, mas para chegar a conhecer as coisas na sua essência, é a dialética. E essa, justamente, será a técnica, o método, ou a arte do filósofo. É por ela que se distingue o filósofo do mero refutador ou do simples embromador.

Gonçalo Armijos Palácios
*José Gonzalo Armijos Palácios possui graduação e doutorado em Filosofia pela Pontificia Universidad Católica Del Ecuador (1978 e 1982, respectivamente) e doutorado em Filosofia pela Indiana University (1989). Realizaou estudos de pós-doutorado na Indiana University em 1996 e 1997. Desde1992 é professor titular da Universidade Federal de Goiás. Tem experiência na área de Filosofia, atuando principalmente nos seguintes temas: filosofia, metafilosofia, filosofia política e ensino de filosofia. Participou do Grupo de Sustentação para a criação do GT Filosofar e Ensinar a Filosofar, em 2006, do qual foi seu primeiro coordenador eleito. Foi o fundador do Curso de Pós-Graduação em Filosofia da UFG (1993), da revista Philósophos (1996), do Curso de Graduação em Filosofia da cidade de Goiás da UFG, em 2008, e participou da criação do Campus Cidade de Goiás da UFG em 2009.
 
publicado originalmente na Coluna Ideias do Jornal Opção em 2005

Marcos Carvalho Lopes

10 Comentários

  1. Concordo com seu comentário Valter! Esperemos melhores tempos para o ensino de filosofia. (O autor)

  2. Que texto legal. Uma pena que é curto, mas é muito bom. Simples, claro e direto, sem floreamentos ou pomposidades. Grandes pensadores mortos ainda estão muito vivos entre nós. Parabéns ao autor do texto pelo cuidado e pela clareza aplicados no mesmo.

    • A Filosofia convoca a pessoa a pensar e assim se torna sujeito na política.Talvez, seja essa a razão de os governos fascistas excluirem-na do currículo escolar.

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