Gonzalo Armijos Palácios (publicado originalmente no Jornal O Popular em 2015)
No último artigo mencionava a situação dos negros, residentes no condado de St. Louis, no Missouri, explorados pelas suas prefeituras que não encontraram melhor solução à crise que a de extorqui-los por meio de um perverso sistema de multas e taxas. Na sua maioria, multas por infrações de trânsito ou quaisquer outras infrações menores. Assim, aqueles cidadãos são presos, por meses, e não poucas vezes, sem terem cometido nenhum crime e a pesar de ser anticonstitucional, nesse país, a prisão por dívidas. Contudo, a situação daquele grupo de cidadãos não é diferente da dos negros de outros estados. Não é por acaso que, se a pessoa é negra e for abordada pela polícia, fuja ou tente fugir. Pois ela sabe que os policiais executam impunemente, alegam “legítima defesa” ou plantam contra o defunto as provas que acharem convenientes.
É o que aconteceu no último domingo (5 de abril) na Carolina do Sul. O “crime” do cidadão — um negro de 50 anos — foi dirigir seu carro com o farol traseiro quebrado. Parado por um policial branco, desceu do carro, recebeu uma descarga de pistola elétrica, caiu no chão, conseguiu sair correndo para fugir da situação e, no vídeo feito por outro cidadão, observa-se o policial atirar OITO vezes quando sua vítima se afastava. Apesar de a vítima ter sido alvejada pelas costas, o policial alegou, não devemos nos surpreender, legítima defesa —“temia pela vida”, disse. Não fosse o vídeo feito do celular desse cidadão que passava, mais um policial branco iria se livrar de um homicídio covarde. O mesmo policial já tinha contra si uma acusação por ter usado força excessiva contra outro negro.
Antes de saber da notícia, hoje pela manhã, tinha decidido escrever sobre a mensagem que recebera no outro dia de uma estudante universitária norte-americana, Kelly McCarron, militante da Aliança Estudantil para a Reforma Prisional nos Estados Unidos. Ela levanta uma questão, sobre a qual eu já escrevera, e que toca num assunto que está sendo discutido aqui no Brasil: tratar menores como se fossem maiores de idade. “Quando era adolescente — diz Kelly — passei 7 meses na prisão. Pela primeira vez fui capaz de experimentar pessoalmente as falhas do nosso sistema criminal de justiça. Sem poder acreditar, observava os guardas trancar jovens na solitária por horas, dias ou mesmo semanas”.
Os sistemas prisionais são, como sabemos, as melhores escolas do crime. Enviar jovens para que se misturem com criminosos experientes não é resolver os problemas da delinquência, nem da delinquência juvenil. É agravá-los. O fato é que, comprovadamente, as penas, por mais duras que sejam, não dissuadem ninguém de cometer crimes. Diminuir a maioridade penal não é outra coisa que dar asas para que, sob esse pretexto, as polícias dos Estados Unidos ou de qualquer parte exerçam seu “direito” de eliminar indesejáveis de outros grupos étnicos que, por serem tais, já nascem “bandidos”.
O normal é que fiquemos indignados com o que está ocorrendo nos Estados Unidos. Mas não podemos fechar os olhos ao que ocorre aqui. Em notícia publicada no Brasil em novembro de 2013, no portal do UOL, podemos ler: “As polícias Civil e Militar no Brasil mataram, em média, mais de quatro vezes mais civis que a dos Estados Unidos, em 2012, e mais de duas vezes que as polícias da Venezuela (…)”. Que prova, por exemplo, o que tem acontecido no Complexo do Alemão? Que deveríamos concluir ao ver jovens negros, mortos pelas costas, ou crianças alvejadas quando brincam na porta de sua casa, como o menino executado com um tiro na cabeça? Uma medida que salvaria muitas vidas inocentes, mortas pelos policiais, seria, por exemplo, se pensar em formas de descriminalização das drogas, ou de algumas delas. A guerra contra o tráfico, e isto é reconhecido mundialmente, está perdida. Uma medida como essa retiraria muito poder dos que agora exploram o consumo e distribuição de drogas. E nada há que prove que por ser legal o uso de uma droga todo mundo passe a consumi-la — como mostra o caso do consumo de álcool. Mas, sob o pretexto de que se luta contra traficantes, os mais pobres, os negros, continuam morrendo desde muito cedo.
Que mostra tudo isso? Só podemos responder que vivemos num período de barbárie institucionalizada direcionada contra os negros e os mais pobres. E a vida continua, como se nada acontecesse. Assim como Aristóteles pensava que uns nascem para mandar e outros para obedecer, muitos pensam que uns nascem para viver e ser felizes, já outros, para sofrer e morrer. Alguns, ainda, pensam que quem nasce para mandar tem o direito, também, de mandar matar ou executar quem já nasceu para sofrer e ser morto.
José Gonzalo Armijos Palacios - Possui graduação e doutorado em Filosofia pela Pontificia Universidad Católica Del Ecuador (1978 e 1982, respectivamente) e doutorado em Filosofia pela Indiana University (1989). Realizaou estudos de pós-doutorado na Indiana University em 1996 e 1997. Desde1992 é professor titular da Universidade Federal de Goiás.