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Máximas de Ptahhotep e a arte de argumentar

Luís Kandjimbo |*

Escritor

Contrariamente ao que se lê nos manuais europeus, a retórica, enquanto arte de bem falar e de praticar actos discursivos na dialéctica argumentativa, não foi “inventada” nem “descoberta” por Córax ou Tísias em Siracusa ou Atenas, cidades da Grécia, no século V a.C. As pesquisas e a interpretação de textos filosóficos do Egipto Antigo permitem provar isso mesmo.

Os sistemas retóricos grego e romano são posteriores ao desenvolvido no Egipto, na época do Antigo Império. A “Instrução de Ptahhotep” foi escrita cerca de três mil  anos anos antes de Platão (428–348 a.C.), Aristóteles (384–322 a.C), Cícero (106 – 43 a.C), e Quintiliano (35 – 95 A.D.). Representa exactamente o exemplo da contribuição africana ao desenvolvimento  das teorias retóricas do mundo. Por essa razão, a narrativa tradicional sobre a “invenção da retórica” não resiste aos esforços de revisão.
Portanto, o que se segue são apenas alguns excertos de textos de uma filosofia moral africana antiga cujo centro é Maat (na imagem, a Deusa da Verdade e da Justiça) e que hoje merece ser estudada. Sobre as problemáticas que suscitam, tecerei alguns comentários no próximo artigo.

   
Introdução a “Instrução  de Ptahhotep”
Instrução do prefeito da cidade e vizir Ptahhotep, durante a Encarnação do Rei Dual Izezi, vivo para sempre e continuamente.

O prefeito da cidade e vizir Ptahhotep diz: “Meu soberano senhor, A velhice chegou, a firmeza desceu, A miséria se aproxima e a fraqueza aumenta. É preciso tirar uma soneca como uma criança todos os dias. Os olhos estão embaciados, os ouvidos surdos e o vigor diminui devido ao cansaço. A boca é silenciosa e já não fala.
A memória se foi e não pode recordar (mesmo) ontem. Os ossos sofrem com a fragilidade. O prazer tornou-se repulsivo e todo o gosto desapareceu. O que a velhice faz aos homens é totalmente desprezível. O nariz fica obstruído e não consegue respirar. Estar de pé e sentado já é um incómodo.

Permita que seu humilde servo escolha um grupo de pessoas idosas e que meu filho seja autorizado a ter sucesso nesta posição que ocupo. Para tanto, instruí-lo-ei em matérias respeitantes às decisões dos juízes. A sabedoria daqueles que viveram em épocas anteriores, os que deram ouvidos aos deuses. Assim, pode ser feito o mesmo por si. Que a discórdia seja banida do seio do povo e que os Dois Bancos o sirvam”.
Então, a Encarnação desse Deus, disse:

“Antes de te aposentares, ensina-lhe sobre o que foi dito no passado. Assim, ele será um exemplo para os filhos dos nobres, quando a compreensão e precisão impregnarem seu comportamento. Instrua-o, pois ninguém nasce sábio”.
Eis o início do bom discurso pronunciado por um membro da elite, alto funcionário, pai de deus, amado de deus, filho do rei, o mais velho da categoria de pessoas a que pertence, prefeito da cidade e vizir, Ptahhotep, ensinando o ignorante a aprender de acordo com o padrão de boa fala, como o que é útil para quem vai ouvir, como o que é angustiante para aquele que o ultrapassa. Assim, falou ao seu filho Ptahhotep, o mais novo:

 “Não seja arrogante por causa do teu conhecimento. Aconselha-te com o homem mais humilde, de igual modo com os mais instruídos, porque ninguém jamais alcançou a perfeição da competência. Não há artesão que tenha adquirido o domínio completo da sua arte. A boa fala é mais rara do que as esmeraldas. No entanto, pode ser encontrada com as empregadas que trabalham nas pedras de moer”.


Primeira Máxima  – Um oponente superior
Se encontrares um oponente agressivo, aquele que é influente e é melhor que tu, baixe os braços e dobre as costas, pois se o confrontares, ele será impiedoso.
Deverás menosprezar seu mau uso da palavra. Não o contraries com veemência. Como resultado ele será considerado ignorante, na medida em que o teu silêncio será adequado à sua pobreza de recursos.


Segunda Máxima – Um oponente igual
Se encontrares um oponente agressivo, teu igual, aquele que tem a tua própria posição social, prove que és mais correcto do que ele, permanecendo em silêncio, enquanto ele fala vingativamente. A deliberação dos juízes será sombria, mas teu nome merecerá estima na sentença dos magistrados.


Terceira Máxima – Um oponente de baixa condição

Se encontrares um oponente agressivo, um homem de condição social inferior, aquele que não é igual a ti, não o assalte devido à sua humilde condição. Deixe-o em paz e ele encarregar-se-á da sua própria autocondenação. Não lhe responda para desabafar a tua frustração. Não descarregue a tua raiva sobre o teu oponente. Miserável é aquele que humilha alguém que é inepto. Tudo acontecerá de acordo com a tua vontade e ele será censurado pelos magistrados.


Quarta Máxima – A virtude (Maat)
Se fores um governante responsável pelos destinos do povo, procure por todas as formas para fazer o bem, para que não haja falhas em tuas acções. Grande é Maat e seus fundamentos estão firmemente estabelecidos. Não foi abalado desde o tempo de Osíris, E aquele que viola as leis deve ser punido. Aos olhos do homem ambicioso, passa despercebido que a riqueza pode ser perdida pela desonestidade, e que a transgressão não resulta em sucesso.
Ele diz: “Eu vou procurar (riqueza) para mim.” Ele não diz: “Eu vou procurar (riqueza) através da minha diligência.” Mas a longo prazo é Maat que perdura, um homem (honesto) pode declarar: “Esta é minha propriedade ancestral”. Não inspire medo às  pessoas, ou Deus punirá em igual medida. Um homem pode decidir  viver dessa maneira. Mas (eventualmente) faltará pão para sua boca.


Quinta Máxima  – Crença em Deus
Quando os homens planeiam o que infligem aos outros, Deus determinará o que vai acontecer. O homem pode tornar-se rico, e pode dizer: “Vou arrancar para mim tudo o que está ao alcance da minha vista. Um homem pode decidir enganar outro, mas ele acabará por transferir (seus ganhos) para um desconhecido. Viva, portanto, contente, e deixe o que eles dão vir por sua própria vontade.


Sexta Máxima – Comportamento à mesa
Se estiveres sentado (como convidado) à mesa de alguém que é superior, deverás aceitar o que te for servido, quando colocado à tua disposição. Olhe apenas para o que está diante de ti, e não olhe constantemente para o anfitrião, porque pode suscitar irritação para seu espírito. Não lhe dirija a palavra até que ele o faça (para fazer isso), pois nunca se sabe o que pode ser irritante. Deves falar apenas quando ele se dirigir a si. E então o que disseres poderá ser de interesse. Deverás rir apenas quando ele rir, e (isso) será muito agradável para o anfitrião.
Quanto a um nobre quando está à mesa,  o seu comportamento é determinado pelo seu estado de ânimo. Ele será generoso para com aquele a quem ele favorece, porque assim já é chegada a noite. É o humor dele que o leva a ser generoso;  Um nobre pode dar, mas um homem (comum) não deve presumir. O consumo de pão depende do governo de Deus, e só um ignorante se pode queixar disso.


Sétima Máxima – Calúnia
Se és um homem com responsabilidade, aquele a quem um nobre envia a outro como emissário, seja meticuloso no cumprimento do teu dever quando ele lhe incumbe tal tarefa, e entregue sua mensagem exactamente como ele ordenar. Não pratique nada que seja ofensivo ou (fazer) um comentário que poderia causar aborrecimento a outro, o destinatário da mensagem. Observe a verdade (Maat), rigorosamente. Não se deve repetir o discurso de fúria, em qualquer comunidade, seja ela grande ou pequena. É a abominação do “ka”.[…]

 * Ensaísta e professor universitário

Originalmente publicado em: 03/10/2021  

https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/maximas-de-ptahhotep-e-a-arte-de-argumentar/

Marcos Carvalho Lopes

Um Comentário

  1. sou do 7° ano e meu professor me indicou as máximas de Ptahhotep e me impressionei com o que vi sinceramente lerei novamente e guardarei em minha memória tais palavras que fora registrada aqui.

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