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O Paulo Freire de Cornel West

este é um pequeno trecho do ensaio  “COMPONDO UMA EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA: Paulo Freire, Amílcar Cabral e Cornel West” que vai estar no livro botAfala: ocupando a Casa Grande

 

Paulo Freire foi, na descrição de Cornel West, um democrata radical capaz de reconhecer que “algumas vezes é melhor perder e radicalizar[1] o ser humano do que alcançar a vitória e no processo, desenvolver pessoas que são obcecadas somente com ganhar, mas quando elas conseguem vencer, agem da mesma forma como atuavam as elites contra as quais se insurgiram” (WEST, 2008, p.112).

Para Cornel West, Paulo Freire é o modelo de intelectual orgânico de nossa época (p.179), marcada pela descolonização do terceiro mundo e ascensão dos EUA como a grande potência. Freire teria capturado este anseio por descolonização naquilo que chama de “conscientização”,”uma nova auto-percepção, em que as pessoas não mais veem a si mesmas como objetos da história, lutando para desenvolver seus próprios “eus” (selves) e corpos, para reconstruir uma nova nação. E, é claro, apelando para a velha ideologia europeia do nacionalismo para canalizar sua energia utópica” (WEST, p.134).

Na avaliação de Cornel West, Paulo Freire “acrescenta um novo significado para a famosa Décima Primeira Tese de Marx sobre Feuerbach, “filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diversas maneiras; mas o que importa é transformá-lo”. O novo significado consiste em reformular a reflexão filosófica entre os povos subalternos a partir de situações de seu dia-a-dia, reconhecendo a mudança como a criação de novas identidades coletivas e possibilidades sociais na História, contrapondo-se as forças viciosas de desumanização. Paulo Freire se atreve a pisar aonde até mesmo Marx se recusou a caminhar – no terreno onde o amor revolucionário dos seres humanos em luta sustenta a fé uns nos outros e mantém a esperança viva em si mesmo e na história”(p.180).

A posição de Freire leva Cornel West a se afastar da concepção neopragmatista de Richard Rorty sobre o horizonte terapêutico de conversação, que não desenvolviam a crítica social com seriedade: “em contraste com o chamado de Hans-George Gadamer pelo diálogo hermenêutico ou a cobrança de Rorty  por uma conversação edificante, o projeto de Freire de diálogo democrático está antenado com as com operações do poder concretas (dentro e fora da classe de aula) e enraizado num doloroso e empoderador processo de conscientização. Este processo abarca um momento de desmistificação crítica no qual as estruturas de dominação são desnudadas e o engajamento político é imperativo.  Esta fusão única de teoria social, indignação moral e práxis política constitui um tipo de pedagogia política de conversão na qual os objetos da história constituem a si mesmos como sujeitos ativos da história prontos para fazer uma diferença fundamental na qualidade das suas vidas, individualmente e coletivamente” (p.179).

 

[1] Paulo Ghiraldelli acredita que na contemporaneidade o termo oprimido é inadequado para pensar a perspectiva de Paulo Freire: seria melhor falar em desenraizado. Neste sentido radicalizar é favorecer o enraizamento, gerar raízes.  

Marcos Carvalho Lopes

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