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Os Sinais dos Tempos

A compreensão dos sinais dos tempos é essencial para orientar sociedades e indivíduos na interpretação de sua própria história e futuro.

Ensaio de Severino Ngoenha, Augusto Hunguana, Giverage Amaral e Samuel Ngale.

“Para tudo há uma ocasião, e um tempo para cada propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou, tempo de matar e tempo de curar, tempo de derrubar e tempo de construir. Tempo de amar e tempo de odiar, tempo de guerra e tempo de paz.” – Eclesiastes 3:1-8

A compreensão dos sinais dos tempos é essencial para orientar sociedades e indivíduos na interpretação de sua própria história e futuro. Na tradição eclesiástica e teológica, sempre houve a noção de que os tempos carregam consigo sinais, que devem ser lidos e interpretados para guiar ações coletivas e espirituais. Os profetas bíblicos foram intérpretes por excelência dos tempos, exortando seus contemporâneos a se prepararem para os desafios e promessas que os momentos históricos carregavam.

 No entanto, com o progresso das ciências e do pensamento humano, a ideia de interpretar os tempos evoluiu para outras dimensões do saber. Hoje -com as utopiasdistopiasfuturologias, perspectivas – compreender os “sinais dos tempos” significa também ler os sinais da ciência, da política e da economia.

Hoje, a leitura dos tempos exige uma atenção redobrada às transformações que marcam a nossa era. O excesso de desenvolvimento humano e a exploração desenfreada dos recursos naturais resultaram em destruição ambiental, ameaçando o próprio habitat do homem.

Um dos sinais mais urgentes de nosso tempo é a necessidade de transformar a tecnologia em algo que seja amigo do ambiente. Não se trata apenas de uma questão científica ou económica, mas de sobrevivência. O futuro exige uma revolução tecnológica e cultural em direção à sustentabilidade, para que o planeta possa continuar a ser habitável.

Na esfera política, os sinais dos tempos também exigem reflexões profundas. Houve um tempo em que o mundo era dividido entre os blocos da esquerda e da direita, entre capitalismo e comunismo. A Conferência de Bandung (1955) introduziu a ideia de um “Terceiro Mundo”, uma via alternativa que rejeitava tanto o alinhamento com o bloco ocidental quanto com o bloco soviético. Contudo, com o fim da Guerra Fria emergiu o que Francis Fukuyama chamou de fim da história. Ele argumentava que a humanidade havia alcançado um ponto onde não havia alternativas viáveis ao liberalismo; a hegemonia do liberalismo económico tornou-se quase inevitáveis, subordinando o liberalismo político à lógica do mercado

Contudo, o tempo revelou que mesmo esse modelo único enfrenta crises e contradições, muitas delas amplificadas pela globalização. 

Em Moçambique, atravessámos períodos de guerrasconflitos internos e destruição social. Hoje, no entanto, os sinais dos tempos indicam que é preciso deixar o conflito para trás e focar na reconstrução. Entramos num tempo de reconciliaçãoreencontro e trabalho conjunto. A reconstrução começa pela reconciliação. O conflito esgotou as energias da nação, dividindo irmãos e irmãs, mas agora é o momento de reverter esse ciclo. Precisamos de novas narrativas, que exaltem a unidade e recusem a fragmentação social. É fundamental que os políticos encontrem uma linguagem comum, uma visão coletiva para o futuro. Contudo, a reconciliação não é tarefa exclusiva dos líderes políticos. Intelectuais, jornalistas, influenciadores digitais e cidadãos comuns também têm um papel crucial a desempenhar.

O mundo em que vivemos é marcado por uma velocidade vertiginosa, onde os mais lentos ou desatentos ficam para trás.

Vivemos em uma era marcada por avanços tecnológicos inéditos e por transformações sociais profundas, em que a humanidade ultrapassa os seus próprios limites e projeta-se para um futuro pós-humano e trans-humano. Este não é apenas um momento de celebração do progresso, mas um alerta para os desafios imensos que ele impõe, especialmente para nações como Moçambique, que ainda lutam por sua consolidação socialpolítica e económica.

O nosso desafio não se limita à reconciliação interna ou à paz, mas é também o desafio de nos colocarmos à altura da humanidade contemporânea – que se redefine constantemente – e de garantirmos que Moçambique não seja relegado nas margens

desenvolvimento humano, como o conhecemos, está sendo superado por novas tecnologias, novas ideias e novas formas de viver e pensar. O mundo que avança em direção à inteligência artificialà exploração espacial, ao transumanismo e à interconexão digital global não espera por ninguém. Quem não acompanha o ritmo fica para trás – desclassificado não apenas no ranking das nações, mas no próprio conceito de pertencimento à humanidade; Segundo o darwinismo social só os que se adaptam às mudanças conseguem sobreviver (…). O nosso desafio é também acompanhar a humanidade que se redefine, o que exige trabalho árduo, estudociência e tecnologia,  um esforço coletivo para desenvolvermos soluções que atendam às nossas necessidades internas e nos permitam estar em fase com o progresso da humanidade. Se não agirmos, arriscamo-nos a sermos deixados para trás, como já aconteceu em outros momentos da história.

Para responder a esses desafios, não bastam modelos democráticos que se limitam à participação eleitoral. Precisamos de uma democracia plena, que mobilize todas as energias e capacidades de nosso povo. Isso implica criar sistemas que promovam a colaboração em vez da competição destrutiva, que valorizem a diferença e a criatividade, e que reconheçam o papel fundamental da juventude como agente transformador.

A juventude é a força vital de qualquer sociedade. O futuro de Moçambique depende do reconhecimento das suas demandas, mas também da sua capacidade de assumir responsabilidades. É hora de transformar o clamor por direitos em ações concretas, em iniciativas que contribuam para a ciência, a tecnologia, a educação e a reconstrução do tecido social.

Os desafios contemporâneos não são apenas materiais ou económicos, mas também éticos. Eles exigem de nós um novo senso de responsabilidade, uma visão clara dos nossos deveres como cidadãos e como parte de uma humanidade que, ao se ultrapassar, redefine os critérios de pertencimento e relevância no mundo. Os sinais dos tempos são claros: este é um momento de superação, de reconstrução e de união. O mundo não esperará por Moçambique, e o preço da inação será a exclusão total dos avanços que definem a humanidade contemporânea.

Os sinais dos tempos pedem reconciliação, mas também engajamento. Pedem reformas, mas também trabalho abnegado. É possível construir um país melhor, mas isso exige que cada cidadão assuma o seu papel como protagonista, e não apenas como espectador. 

Este é o tempo de reconstruir não apenas as estruturas físicas e económicas do país, mas também o tecido social e os valores que sustentam a nossa comunidadeÉ tempo de acreditarmos na nossa capacidade de mudar, de trabalharmos juntos e de distribuirmos de forma equitativa os recursos, por mais escassos que sejam.

Os sinais dos tempos de hoje clamam por uma leitura profética que vá além das disputas políticas ou das rivalidades ideológicas. Eles exigem um esforço coletivo, um compromisso com o trabalho, com a justiça e com o bem comum. Cada um de nós, jovens e adultos, políticos e cidadãos, precisa assumir a sua responsabilidade neste processo.

Acreditar no futuro de Moçambique é acreditar na força do seu povo e na capacidade de superarmos juntos os desafios do presente. Os sinais dos tempos apontam para uma nova era – de reconciliaçãoreconstrução e esperançaQue saibamos ler e responder a esses sinais com sabedoria e coragem.

Somos capazes de renascer das cinzas, como a Fênix, mas isso exigirá esforço, unidade e sacrifício. A reconstrução não será fácil, mas é a única via para garantir que o nosso país volte a ser uma terra de prosperidade e esperança para todos os seus cidadãos. É tempo de colocar as diferenças de lado, unir forças e trabalhar em prol de um futuro comum. Afinal, como o Eclesiastes nos lembra, “há tempo de guerra e tempo de paz”. Este é o nosso tempo de paz e de reconstrução.

Ensaio de Severino Ngoenha, Augusto Hunguana, Giverage Amaral e Samuel Ngale.

Marcos Carvalho Lopes

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