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PARA QUE FILOSOFIA VII: Os espaços públicos do filosofar

O filósofo é aquele que aproveita o espaço público para se arriscar e propor soluções aos seus problemas, não para simplesmente comentar os problemas alheios

Gonçalo Armijos Palácios

Bochenski

Bochenski, lógico e filósofo polonês: meditações filosóficas em programa da Rádio Bávara
Algumas semanas atrás, procurando algo interessante para ler entre meus livros, achei um que me surpreendeu desde o início. É um pequeno livro de um famoso filósofo e lógico matemático de quem ouvira falar antes mesmo de começar a estudar filosofia. Trata-se do lógico e filósofo polonês Bochenski (1902-1995), que fora batizado Jósef e adotara Innocentius Maria quando se fez dominicano. O livro intitula-se Diretrizes do Pensamento Filosófico1 e consta de dez capítulos. Surpreendeu-me pelo que diz no Prefácio. Os dez capítulos “são outras tantas alocuções proferidas ao microfone da Rádio Bávara em seu Programa Especial, durante os meses de maio, junho e julho de 1958”. Li essas linhas um par de semanas depois de ter, eu mesmo, começado um programa de filosofia no rádio. Encantou-me a coincidência e li o texto com enorme interesse, especialmente avaliando o nível da linguagem utilizado por ele naqueles programas transcritos nessas páginas. À diferença do meu programa, que deve ser feito em quinze minutos, o dele durava trinta. É sugestivo, claro, que uma audiência possa ser mantida para ouvir a distância uma reflexão filosófica que dure meia hora. Como já tenho dito, isso pode soar aqui, no Brasil, estranho. Não nos Estados Unidos, na Europa ou na Austrália, lugares em que não há apenas um ou dois, mas muitos programas de filosofia tanto na rádio como na televisão.

“Programas de filosofia na televisão ou na rádio?” — alguém poderia perguntar. “Para quê!?” Vejamos o que Bochenski diz no mesmo Prefácio: “A finalidade dos dez pequenos tratados foi tão somente expor aos radiouvintes, filosoficamente despreparados, alguns problemas de filosofia e indicar-lhes rapidamente o caminho da solução.” (p. 7) Como relatei num artigo anterior desta série, um colega, alguns anos atrás, surpreendera-se quando mencionei uma certa solução dada a algum problema filosófico. A surpresa minha, no entanto, foi maior, pois, se os seres humanos nos debruçamos para refletir motivados por determinados problemas, certamente que não será para não resolvê-los, de uma ou de outra maneira, mas para achar soluções. É o que, de forma clara, Bochenski também afirma.

No mesmo Prefácio encontramos outra passagem digna de um destaque:

Nossas meditações filosóficas — diz Bochenski — poderiam ser apresentadas de duas maneiras: uma, a exposição ‘objetiva’, apartidária, das opiniões, sem que o autor deixasse transparecer seu próprio ponto de vista; outra, em que o autor desde o início se coloca num determinado ponto de vista e daí avalia os diferentes problemas e suas soluções. Conscientemente escolhi o segundo método, porque o primeiro me parecia simplesmente impossível. Na minha opinião uma exposição ‘objetiva’ … não existe quando se trata dos problemas fundamentais da filosofia. (p. 8)

Na verdade, não há apresentação “objetiva” das questões filosóficas, se entendemos por isso nossa apresentação desses problemas. Se tivermos problemas, e queremos resolvê-los, não poderíamos tentar fazê-lo se não de uma maneira: a própria. Outra coisa muito diferente seria dizer o que outros pensaram, e disseram e relatar, de forma alheia e descomprometida, tanto os problemas como as soluções. Não podemos fazer isto último quando filosofamos. Aí, no entanto, encerra-se a confusão gerada nas aulas de filosofia. Elas tendem a ser um relato sobre problemas alheios. Nesse caso, sem dúvida, não se faz filosofia nem se estimula a filosofar. Mas esse não é o caso que nos ocupa. Bochenski está apresentando os problemas aos ouvintes e, ao mesmo tempo, indicando-lhes o caminho da solução, isto é, que o próprio Bochenski considera adequada, como não poderia ser de outro modo para um filósofo, para quem faz filosofia, isto é, e precisa pensar por conta própria.

A seguir, Bochenski afirma: “O ponto de vista apresentado nestas conferências é, naturalmente, o do autor.” E continua: “aqui o leitor achará a exposição bastante clara … de uma filosofia, isto é, daquela que tenho por verdadeira”. (p. 8) É isso que, justamente, distingue o filósofo de quem não o é: o filósofo é aquele que arrisca errar na procura da solução do que considera seus problemas filosóficos. O diletante, o comentador e o especialista estão aí para, simplesmente, contar os riscos que outros correram na aventura (e na luta) por soluções próprias a problemas próprios — deles, os filósofos, não dos comentadores — que é o trabalho filosófico — problemas que aos diletantes, aos comentadores e aos especialistas em filosofia jamais ter-lhes-ia ocorrido.

1 Trad. de Alfred Simon, 6. ed. São Paulo, EPU, 1977.

Gonçalo Armijos Palácios
José Gonzalo Armijos Palácios possui graduação e doutorado em Filosofia pela Pontificia Universidad Católica Del Ecuador (1978 e 1982, respectivamente) e doutorado em Filosofia pela Indiana University (1989). Realizaou estudos de pós-doutorado na Indiana University em 1996 e 1997. Desde1992 é professor titular da Universidade Federal de Goiás. Tem experiência na área de Filosofia, atuando principalmente nos seguintes temas: filosofia, metafilosofia, filosofia política e ensino de filosofia. Participou do Grupo de Sustentação para a criação do GT Filosofar e Ensinar a Filosofar, em 2006, do qual foi seu primeiro coordenador eleito. Foi o fundador do Curso de Pós-Graduação em Filosofia da UFG (1993), da revista Philósophos (1996), do Curso de Graduação em Filosofia da cidade de Goiás da UFG, em 2008, e participou da criação do Campus Cidade de Goiás da UFG em 2009.
 
publicado originalmente na Coluna Ideias do Jornal Opção em 2005

Marcos Carvalho Lopes

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