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PARA QUE FILOSOFIA XVIII (FINAL) – Sobre a filosofia e seu valor

Filosofar é fugir do inferno das certezas

Gonçalo Armijos Palácios

Se olharmos em volta descobriremos que a filosofia se encontra em todas as áreas da atividade intelectual — ou, se preferem, espiritual — do ser humano. Nos mais diversos assuntos estão envolvidas questões e reflexões filosóficas. Reflexões que tais questões suscitam. A filosofia está na ciência, tanto nas ciências teóricas como nas naturais, tanto nas formais como nas humanas. Hoje, nas mais importantes universidades do mundo há departamentos de Filosofia das Ciências e neles se desenvolvem pesquisas na filosofia da biologia, na filosofia da física, na filosofia das matemáticas, assim como em todas as disciplinas em que o ser humano procura aprofundar seu conhecimento sobre o homem, seu mundo e sobre o universo. Num sentido importante, a filosofia continua sendo um pensar que quer desvendar a natureza da realidade, em todas suas formas.

De outro lado, e não menos importante, a filosofia continua sendo um tipo de reflexão que procura entender o mundo que o homem criou, isto é, que quer entender a sociedade em que o homem vive — procurando entender o percurso do ser humano de sociedades pretéritas à atual, projetando as tendências para seu futuro político. No seu anseio de entender o político, o homem, pela filosofia, quer se entender e se encontrar a si próprio.

Na filosofia, desde seu início, procurou-se entender o que é o valor. Por que o homem dá valor às coisas, sejam estas concretas, sejam elas abstratas. Qual o valor nas criações humanas, qual na própria ação dos homens. “O que é belo e por que o belo é belo. O que é correto e por que o correto deve ser assim considerado?” Tudo o que diz respeito ao estético e ao ético diz respeito à própria natureza humana e, talvez, à própria essência do mundo que o homem criou ou descobriu. Se é mesmo que criou, se é mesmo que descobriu…

A filosofia lida com tudo aquilo que social ou individualmente é fundamental. Tudo o que de fundamental o homem projeta — ou encontra, ou crê encontrar — no passado, no presente e no futuro — tudo aquilo, isto é, que não pode ser medido pelos parâmetros especializados e estreitos de disciplinas particulares. Ou seja: tudo aquilo que é fundamental apesar de não poder ser avaliado com as mãos, como quando se conta moedas. Por quê? Porque a visão filosófica representa uma das alternativas para a visão interesseira e estreita de quem só pensa no lucro imediato, na ganância, na posse de bens materiais. Pois o filósofo não vê os outros como instrumentos, como meios para seu ganho pessoal, para seu lucro. Não usa os outros para seu próprio desejo de açambarcar riquezas. Não, o filósofo tende a ver os outros como fins em si mesmo. Como dignos, em si mesmos, de preocupação racional, de interesse espiritual.

A filosofia alarga e aprofunda nossa visão sobre as coisas, sobre o mundo e sobre o homem. Ela não tem preço, porque suas conquistas não têm preço.

A incompreensão do que é a filosofia procede, quase sempre, daqueles que só medem a felicidade pelo peso das riquezas pecuniárias, pela quantidade de seus bens materiais. Ela é incompreendida, e vilipendiada, precisamente por aqueles de espírito estreito que só almejam o que pode dar lucro, o que pode ser apalpado e trocado por dinheiro. Essa é uma das grandes críticas feitas à filosofia: “mas qual é seu lado prático?” Como se tudo aquilo que tem valor valesse justamente por ter um uso prático, uma utilidade. Esse utilitarismo mesquinho e estreito é um dos responsáveis pela incompreensão do valor da filosofia. Porque num mundo de interesseiros, controlado e dominado por interesseiros, os valores que imperam são os que eles mesmos perseguem. O resto, para esses de espírito estreito, não tem valor.

Assim, fecha-se o mundo do interesseiro e pragmático: tem valor e importância o que tem algum retorno material, o que dá lucro. Esse é um dos dogmas dominantes, que fecha tudo em volta da ganância e da ambição material.

Mas há, afortunadamente, quem não se incline a pensar assim. Quem dê valor a outras coisas. A coisas que, seguramente, estão ali por milhares de anos e ainda estarão quando os bens materiais, e seus donos, tenham há muito tempo apodrecido. O poder da filosofia é a força do pensamento e a dimensão do espírito — inalcançáveis, certamente, para quem não pensa e tem pouca, ou nenhuma, dimensão espiritual.

O poder da filosofia consiste em abrir todas as portas que a crendice fecha e destruir todas as evidências que a certeza construiu.

Gonçalo Armijos Palácios
José Gonzalo Armijos Palácios possui graduação e doutorado em Filosofia pela Pontificia Universidad Católica Del Ecuador (1978 e 1982, respectivamente) e doutorado em Filosofia pela Indiana University (1989). Realizaou estudos de pós-doutorado na Indiana University em 1996 e 1997. Desde1992 é professor titular da Universidade Federal de Goiás. Tem experiência na área de Filosofia, atuando principalmente nos seguintes temas: filosofia, metafilosofia, filosofia política e ensino de filosofia. Participou do Grupo de Sustentação para a criação do GT Filosofar e Ensinar a Filosofar, em 2006, do qual foi seu primeiro coordenador eleito. Foi o fundador do Curso de Pós-Graduação em Filosofia da UFG (1993), da revista Philósophos (1996), do Curso de Graduação em Filosofia da cidade de Goiás da UFG, em 2008, e participou da criação do Campus Cidade de Goiás da UFG em 2009.
 
publicado originalmente na Coluna Ideias do Jornal Opção

Marcos Carvalho Lopes

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