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Policiamento seletivo

Gonzalo Armijos Palácios (publicado originalmente no Jornal O Popular em 2015)

  O New York Times publicou nos últimos dias, em primeira página, um resumo de ações policiais que, com exceção de um caso, resultaram na morte de pessoas desarmadas, oito negros — sendo um deles um menino de 12 anos — e dois hispânicos. O artigo, na sua página da Internet, começa pela ação mais recente. 19 de julho: Samuel Dubose, negro, 43 anos, foi morto a tiros depois de ser parado por uma infração de trânsito (seu carro não tinha a placa dianteira). 10 de julho: Sandra Bland, negra, 28 anos, encontrada morta na sua cela, enforcada. A polícia alega suicídio. O motivo da abordagem policial que levou à detenção: não deu sinal ao virar numa esquina. Junho 5: um policial joga e prende uma adolescente negra contra o chão e aponta a arma para os jovens que a acompanhavam. Ela estava apenas de biquíni. 12 de abril: Freddie Gray, negro, 25 anos. Morreu, sob custódia policial, como consequência de uma lesão sofrida na coluna durante sua detenção. 4 de abril: Walter L. Scott, negro, 50 anos, morreu depois de receber um tiro nas costas disparado por um policial que o perseguia. 10 de fevereiro: Antonio Zambrano-Montes, 35 anos, hispânico. Morto a tiros por três policias enquanto levantava as mãos para se render. 22 de novembro do ano passado: Tamir Rice, menino negro de 12 anos, morto a tiros por um policial. O menino estava num parque com uma pistola de brinquedo. 9 de agosto, também do ano passado: Michael Brown, negro, 18 anos, morto por um policial em Ferguson, Missouri. 14 de julho: Eric Garner, negro, 43 anos, morto por asfixia durante seu arresto. Motivo da detenção: venda ilegal de cigarros. Durante sua detenção, gravada pelo celular de um amigo, repetia várias vezes: “não consigo respirar”. Junho 2, 2013: Ricardo Diaz-Zeferino, 34 anos, hispânico. Morto a tiros pela polícia ao ser confundido com um bandido. Também estava desarmado. De todos esses casos há vídeos que mostram a ação dos policias. Há outro episódio igualmente revoltante, que não foi registrado. É o do casal de negros crivado a bala por um grupo de policias por, também, uma infração de trânsito. O casal estava desarmado e os policiais, ao todo, dispararam mais de 130 balas.
  Também nos últimos dias, já no Brasil, a Folha de São Paulo publicou o resultado de uma pesquisa do instituto Datafolha. Aqui no Brasil, nas cidades com mais de 100 mil habitantes, a maioria da população tem medo da polícia militar. Numa pesquisa semelhante feita em 2012, mas em municípios com mais de 15 habitantes, 48% dos entrevistados declaravam ter esse temor. O perfil do cidadão que mais teme a polícia, segundo a mesma pesquisa: “jovens, pobres, autodeclarados pretos e moradores do Nordeste”.
  Entrevistas com brancos e com negros que viram os vídeos aos que me refiro no início deste artigo, nos Estados Unidos, mostram que, enquanto uns e outros se indignam, apenas os brancos ficam surpresos com a violência policial. Já os negros estão acostumados, pois desde crianças testemunham ações de policiais brancos contra eles e todos têm histórias, próprias ou de um parente, de maus tratos e abuso policiais.
  Denunciar o racismo faz parte de uma longa batalha, pois a discriminação contra o negro, assim como contra o pobre, está nas raízes da história de ambos os povos. O que para os brancos é apenas uma notícia no jornal, para os negros é a própria história que está sendo contada; é a experiência cotidiana de discriminação, violência e abusos sentidos em carne própria e desde sua mais tenra idade. Não é fácil escrever artigos como este, mas aqueles que temos a possibilidade de denunciar e lutar contra o racismo e a discriminação não podemos nos omitir nem devemos calar.

José Gonzalo Armijos Palacios - Possui graduação e doutorado em Filosofia pela Pontificia Universidad Católica Del Ecuador (1978 e 1982, respectivamente) e doutorado em Filosofia pela Indiana University (1989). Realizou estudos de pós-doutorado na Indiana University em 1996 e 1997. Desde1992 é professor titular da Universidade Federal de Goiás.

Marcos Carvalho Lopes

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