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Racismo e Preconceito

 Gonzalo Armijos Palácios (publicado originalmente no Jornal O Popular em 2015

Desde que cheguei ao Brasil me surpreendi com aquela imagem tão negativa que, em geral, o brasileiro tem de si mesmo, do seu próprio país e, claro, do desprezo, quando não ódio, por negros e nordestinos. Já escrevi, inclusive, sobre as expressões “brasileiro não presta” e “quando negro não c… na entrada, c… na saída”. Antes de pensar em vir ao Brasil jamais imaginei algo semelhante.
  Bem, gosto muito de esportes e tenho visto alguns jogos do Aberto dos Estados Unidos. Naturalmente, esperei muito pelo jogo entre a Venus e a Serena Williams. Antes do jogo, um comentarista brasileiro de uma emissora de televisão disse algo quase exatamente a isto: “Ó, como é bom poder chegar num lugar como estes e admirar a beleza de tudo sem se preocupar com esconder o relógio ou ficar de olho na carteira por medo de assaltos”! A referência ao Brasil foi tão impertinente que comentei com minha mulher: o desinformado não deve saber que Manhattan, Queens e o Bronx estão entre os lugares mais perigosos de Nova Iorque. Quem já esteve alguns dias nessa cidade sabe como ela é um misto de beleza e perigo, abundância e miséria, e como é medonho pegar o metrô, especialmente à noite.
  Não deixou de ser inusitado, no entanto, que dois dias depois do jogo das irmãs Williams tenha aparecido uma notícia originada em Nova Iorque relatando a agressão sofrida por um ex-jogador de tênis por parte, não de bandidos, mas de policiais que o jogaram contra o chão sem sequer perguntar antes quem era. James Blake, negro, 35 anos, que já esteve entre os cinco melhores jogadores de tênis do mundo, foi atacado por um grupo de cinco policiais à paisana pelo delito de se parecer com um ladrão, claro, negro. Segundo contou aos jornalistas, ele saía do hotel, tranquilamente, para ver os jogos do Aberto dos Estados Unidos. Ele viu homens se aproximando, sorriu para um deles e, sem mais, foi jogado contra o chão, imobilizado por quinze minutos e algemado. Assim, sem mais nem menos. Como era negro, claro, os policiais à paisana não acharam necessário se identificar nem perguntar coisas como, por exemplo, quem era. Como escrevi num artigo anterior, ser negro já é mais de meio caminho andado para ser visto como delinquente, lá e aqui. No dia seguinte ao jogo das Williams, ou posteriormente, não ouvi nenhuma menção daquele comentarista brasileiro sobre o episódio, nem algum comentário se solidarizando com o ex-tenista negro. Agora, se tivesse ocorrido com Jimmy Connors, Joe McEnroe ou qualquer outro ex-jogador branco, a coisa teria sido bem diferente.
  Há um detalhe, no entanto, que os jornais, no início, não explicaram. O suposto delinquente, descrito em princípio como ladrão, não era um assaltante perigoso que roubara alguém à mão armada ou com violência. Na realidade, como depois se soube, aquele sujeito teria comprado um celular com um cartão de crédito inválido. Tratava-se, então, de uma fraude, não de um crime violento. Questionado por uma repórter da rede CNN da razão dessa violência toda contra quem não teria cometido um crime violento, mas uma fraude de cartão de crédito, o chefe da polícia de Nova Iorque, Bill Bratton, se negou a responder “porque as averiguações estavam em curso” e não queria prejudicar a investigação! A justificação que deu é que o ex-jogador, que chegou a ser o quarto melhor tenista do mundo, parecia ser o “irmão gêmeo” do verdadeiro responsável pela fraude! Naturalmente, esse comentário causou espanto e só explicita e confirma o fato de a ação desses policiais foi motivada por racismo. Só faltou dizer algo como: “É… o problema é que todo negro se parece”.
  Estudos feitos durante anos mostram como o racismo afeta a visão que os norte-americanos brancos têm dos negros. O problema se agrava, naturalmente, quando esse preconceito toma conta das mentes de policiais brancos que têm a tendência de usar força letal contra negros, mesmo desarmados e pelas costas, e não contra brancos. O The Huffington Post menciona um estudo publicado no ano passado pelo Journal of Personality and Social Psychology, feito com oficiais da polícia brancos, que mostra que eles estão sempre mais inclinados a usar muito mais força contra suspeitos negros, jovens, do que contra jovens brancos. Não é por acaso que há mais de um ano não param de aparecer notícias dessa violência, semana após semana, mês após mês, contra negros — incluídas crianças — que terminam feridos, presos ou mortos. Enquanto os responsáveis… Bem, todos sabemos…

José Gonzalo Armijos Palacios - Possui graduação e doutorado em Filosofia pela Pontificia Universidad Católica Del Ecuador (1978 e 1982, respectivamente) e doutorado em Filosofia pela Indiana University (1989). Realizou estudos de pós-doutorado na Indiana University em 1996 e 1997. Desde1992 é professor titular da Universidade Federal de Goiás.

Marcos Carvalho Lopes

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