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UM BAMBARAM PARA O RENASCIMENTO AFRICANO

por FILOMENO LOPES

Se é verdade que, como disse Birago Diop, “nossos mortos nunca partiram”, ainda mais – se eu olhar para a dolorosa realidade da Guiné-Bissau hoje com seu triste cenário de “antropologia da raiva” que dura há 45 anos e cresce em força e vitalidade a cada dia – temos uma obrigação moral urgente de repensar o tema da paz e da reconciliação nacional, de pensar na sociedade como um todo e de elaborar um novo pacto social e cultural capaz de nos revestir novamente daquele bambaram que nos foi dado pelo longo caminho de libertação e pelo legado do bispo Settimio Arturo Ferrazzetta, ele próprio vítima da guerra fratricida de 1998 e 1999.

O povo de Bissau-guineense o considera um dos principais Ancestrais e lhe pede que interceda para que nossa destruição como Sociedade, como Nação e como Estado não se realize: nós que ainda vivemos, estamos certos de que “nossos mortos nunca partiram”, mas que eles acompanham nossos passos rumo à “construção da paz, do progresso e de nossa felicidade”.

“Ousar inventar o futuro para nós e nossos filhos”, como disse Thomas Sankara, é dar uma contribuição vital para um processo global de “renascimento africano”, para que o continente africano possa ser o continente do século XXI.

Reavivar o espírito de forte unidade e corajoso compromisso, que caracterizou o início do renascimento nacional, é o imperativo absoluto que pode ser resumido em três coisas: paz estável, progresso social, o bem-estar das pessoas.

Mais de 45 anos de independência… mas ainda estamos em busca de um clima cultural de paz, fraternidade, concórdia, solidariedade e ajuda mútua: estamos muito longe de ser um povo reconciliado consigo mesmo, construindo sua própria história com uma identidade precisa que o tornaria aquele tecido maternal vital que chamamos de bambaram.

De nossos antepassados recebemos um legado ético que coloca o país em primeiro lugar, depois o povo lutando pela paz, progresso e felicidade, e depois os partidos como um instrumento do povo para alcançar esses objetivos. Mas mesmo agora, a falta de consciência histórica nos entregou nas mãos de muitos partidos e grupos de poder que são a causa da cultura desastrosa da raiva, do interesse privado e do “salve-se quem puder”, que literalmente desintegraram o bambaram bissau-guineense.

Filomeno Lopes é originário da Guiné-Bissau; é Jornalista da Rádio Vaticano; Doutor em Filosofia e Ciências de Comunicação Social e Licenciado em Teologia Fundamental pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Entre as mais recentes obras: E Se a África desaparecesse do Mapa Mundo?, Uma reflexão filosófica (2009); Da mediocridade à excelência. Reflexões filosóficas de um imigrante africano (2015); Filodramática: os Palop, entre a filosofia e a crise de consciência histórica (2019).

O Bambaram é um xale de tecido usado pelas mães de Guiné-Bissau para carregar seus filhos enquanto trabalham ou caminham. 
No nascimento do primeiro filho, há uma cerimônia para a criança receber o Bambaram, tornando-o sagrado. Esse, é um momento muito especial, em que a mãe irá amarrar a criança pela primeira vez.
A mãe guarda o xale com muito cuidado até o casamento do filho, para que ele leve para o conhecimento dos seus filhos.
(fonte da imagem e da informação: https://www.pastoraldacrianca.org.br/museudavida/exposicoes/realizadas/exposicao-juntos-pela-vida/783-bambaram-guine-bissau)

Marcos Carvalho Lopes

Um Comentário

  1. A imagem do bambaram é muito precisa. Mesmo não fazendo parte da minha cultura “nordeste-Brasil” a imagem nos remete a essa construção dialética com o texto. A necessidade de um “porto seguro” que não nos deixa presos a uma consciência racional abstracta, pelo contrário. O suporte da mãe é uma transversalidade para a construção da nossa consciência livre e forte. Nos permite inventar o futuro, como citou de Sankara, mas não um futuro qualquer, que nos prenda a algo que talvez nunca tenha existido e sim esse “inventar” intuitivo que aceita que “nossos mortos nunca partiram” mas que nos acompanham nessa re-invenção constante e melhorada. Que nos lembra da responsabilidade, no Pensar, no Agir e no Sentir (pensando em Ricoeur) para ultrpassarmos a necessidade de reconhecimento das vitimas e de restauração da memória, por uma prática ativa em busca da “divisão” do nosso sofrimento. Em suma, Guiné-Bissau merece uma estrutura de Paz e desenvolvimento (não necessariamente nos moldes do establishment), mas por um modelo próprio e que respeite as tradições herdadas e as agregadas, para que o povo possa viver e realmente “inventar o futuro dos filhos” em Paz.

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