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entrevista sobre os Beatles

Há algum tempo (alguns anos) um amigo, o Daniel Rodrigues Aurélio, pediu que respondesse algumas questões sobre os Beatles. Demorei um pouco, mas respondi.


1-) Qual foi seu primeiro contato com a obra dos Beatles?
Os Beatles foram para mim uma descoberta tardia. Na minha casa não se escutava muita música, e das poucas fitas k-7 que tínhamos, só duas delas me chamavam a atenção por fugir do padrão sertanejo-caminhoneiro (meu pai era caminhoneiro): uma de Gilberto Gil e outra de Roberto Carlos em Ritmo de Aventura. Não sabia, mas muito das experiências musicais de Gilberto Gil e do iê iê iê existencialista daquele Roberto Carlos, ecoavam e só foram possíveis por conta dos Beatles. Na adolescência segui a trilha do rock nacional e foi por ela, que cheguei aos Beatles. E aí foi como uma epifania, que fazia com que muito do que me tocava e interessava em canção ganhasse um ponto de convergência. Então, posso dizer que meu primeiro contato com os Beatles provavelmente aconteceu muito antes de que eu entendesse o que e quem foram os Beatles.


2-) Cite seu disco favorito dos Beatles e justifique.
Ficaria com o álbum branco como favorito. Uma boa justificativa já seria o fato de ser um álbum duplo… mas, acho que o que instiga é que nesse álbum o trabalho do grupo já está maduro e surge de um modo tão criativo, polifônico, irônico, crítico e, ao mesmo tempo, anunciando uma revolução que naquele 68 ficou incompleta, mas que é uma herança que marca a possibilidade do pop de trazer o melhor no mais comum.


3-) Qual a sua música favorita? Qual sentimento ela evoca em você?
Blackbird e All we need is love, as duas para mim trazem toda a potencialidade e fé na canção, de cantar o amor e cantar o canto, na esperança de contagiar, trazer felicidade e modificar as disposições, a canção é uma forma de religiosidade laica.


4-) Quem é seu beatle favorito? Por quê?
O George Harrison, por ele ser o mais novo e ter sobrevivido criativamente as tensões e disputas entre os óculos de Lennon e o olhar do Paul. O Harrison parece apontar para a possibilidade de “outra coisa” e a busca de uma diferença – sonora e existencial – que para mim fez toda diferença.


5-) Que disco você indicaria para quem quer começar a entender os Beatles?
Isso de entender é um segundo ou terceiro ou quarto passo. De início o indicado é colocar algo da fase inicial dos Beatles e sentir se é contagiado ou não. Se ouvindo Twest and shout você começar a cantar e dançar junto, já está dentro do jogo de identificação que fez os Beatles serem os Beatles. O detalhe é que o melhor aqui talvez fosse tentar não escutar com o fone de ouvido, mas com algum tipo de aparelho antigo que fazia da audição algo em comum e que contaminava o ambiente. Porque talvez os Beatles estejam para os Radioheads deste tempo, assim como a diferença entre a leitura em voz alta e a leitura silenciosa: a experiência de ouvir junto a novidade, das impressões de um som que se liga e vincula a um “estar junto”. A dica então, está nessa ressalva, que mesmo se não puder ser seguida já deve ser considerada. Também a “coisa” de ouvir disco por disco do começo ao fim, se possível sabendo o que era Lado A e o que era Lado B, seguindo a discografia para ver quando os Beatles perceberam que eram os Beatles, se estranharam, complexificaram, experimentaram, disseram não e sim, fizeram-se destino etc.


6-) Na sua opinião, qual o legado dos Beatles para a história da música e da cultura?
É difícil dar aos Beatles o que é dos Beatles, sem considerar Dylan, o rock clássico de Chuck Berry, a Motown etc. Mas eu vou responder de forma elíptica (e que o leitor depure a analogia com ironia), acredito que o Beatles fazem parte de um processo de democratização do ideal romântico de autocriação. Essa democratização pode ser denunciada como uma forma de construir identidades a partir de produtos de cultura de massa etc. Mas pode também ser saudada pela quebra de costumes e novidade. Holderlin e Hegel, Lennon e Paul; o amor e o espírito do tempo, deste tempo de internalização das narrativas épicas, do romance, de autocriação; o amor e o espirito do tempo, das crises de consciência do homem-aranha, da cultura de massa que denuncia ternamente seu segredo, da identidade como consumo.

Marcos Carvalho Lopes

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