1

(Mais ou menos) 10 livros para estudar a filosofia (luso)africana

Uma lista de cerca de 10 livros para uma aproximação da filosofia africana da lusofonia africana? Por que esse recorte? A história de colonização em comum nos traz um ponto de convergência que deveria ser levado muito a sério para quem quer desenvolver diálogos Sul-Sul efetivos e ir além da retórica de descolonização. Ler autores em português pode ser o caminho mais efetivo para pensar a filosofia como uma tarefa contextualiza, desenvolvida por pessoas que não reivindicam genialidade, nem multiplicam pressupostos para coçar aonde comicha ao invés do deboche do pensamento. Diz o provérbio ronga “Unga hene dabu hi ku nwoy” (Trate a sarna ao invés de se entreter coçando).

Pra começar, nada melhor que seguir o trabalho dos pioneiros filosofia africana lusófona. Para isso, Severino Ngoenha é um autor mais do que necessário. E é muito importante ter um panorama da trajetória e lidar com o Grande Debate em torno da existência ou não da filosofia africana, do lugar da etnofilosofia, das perspectivas ideológicas e políticas dos que lutaram pela independência etc. É que a África lusófona chegou em grande medida atrasada neste diálogo, mas não pode contorná-lo como se não tivesse existido. Nesse sentido, indico o livro Filosofia Africana Das Independências Às Liberdades e o recente Lomuku. Ler estes dois livros vai te colocar com os temas que fazem parte dos debates e demandas atuais de descolonização, ou melhor, de desmame (lomuku) epistemológico e político.  

  NGOENHA, Severino Elias. Filosofia Africana Das Independências Às Liberdades. 1993.
NGOENHA, Severino Lomuku. Maputo: Publifix Edições, 2019

O filósofo moçambicano José Paulino Castiano é outro autor pioneiro e indispensável. O seu Referenciais da filosofia africana é um livro que faz jus ao título buscando articular um campo de diálogos e problemas. A proposta de leitura dialética feita por Castiano é um caminho que continua sendo percorrido pelo autor.  

NGOENHA, Severino Elias; CASTIANO, José P. Pensamento engajado: ensaios sobre filosofia africana, educação e cultura política. Editora Educar, 2011.
CASTIANO, José Paulino. Referenciais da filosofia africana: em busca da intersubjectivação. Novas Edições Acadêmicas, 2018.

O jornalista, filósofo e músico bissau-guineense Filomeno Lopes ocupa um lugar importante para se pensar as perspectivas da filosofia africana, tanto por sua proposta de filodramática que articula seu pensamento com a música, o teatro, a literatura etc.; quanto pela dimensão pragmática que herda de Amílcar Cabral, na necessidade de articular teoria e prática (melhor pensar para melhor agir). Filomeno também procura redescrever e dar continuidade a proposta de renascimento africano de Cheik Anta Diop, tomando o Egito Antigo como fonte originária da filosofia.

Infelizmente os livros em que Filomeno Lopes articula sua posição em relação ao Grande Debate estão em italiano (indico E se l’Africa scomparisse dal mappamondo?: una riflessione filosofica). Mas dois outros livros trazem propostas  e narrativas que merecem ser mais conhecidas e desdobradas: o diálogo com o cantor Bonga repensa o lugar da canção na luta de libertação e no processo de descolonização; e Filodramática que mostra a articulação entre Igreja Católica e a luta pela independência nos PALOP. Filomeno é o autor que de modo mais veemente insiste na articulação de um pensar a partir dos PALOP ( e não necessariamente em língua portuguesa – veja essa entrevista).

LOPES, Filomeno. Bonga Kwenda: um combatente angolano da liberdade africana.  2013.
LOPES, Filomeno. Filodramática: Os PALOP, entre a filosofia e a crise de consciência histórica. Maputo. Paulinas, 2018.
LOPES, Filomeno. E se l’Africa scomparisse dal mappamondo?: una riflessione filosofica. 2009.

Muitos dos textos que indiquei podem estar inacessíveis. Como solucionar ou remediar esse problema? O livro do professor Ezio L. Bono traz uma articulação entre grande parte dos autores do Grande Debate e as perspectivas destes autores da África lusófona. A noção de muntu é o ponto de partida para a investigação de Bono que desenvolve uma aplicação da proposta de filosofia da sagacidade que precisa ser mais conhecida e debatida. O professor Ezio L. Bono disponibilizou seu livro on line para download.

BONO, Ezio L. Muntuísmo: a ideia de pessoa na filosofia africana contemporânea. Paulinas: Maputo, 2015.
Baixe aqui.

O trabalho do escritor e filósofo angolano Luis Kandjimbo é que mais procura ampliar e articular as vozes contemporâneas das filosofias africanas anglófonas e francófonas. Seu recente livro Filosofemas africanos esta acessível on line no Brasil e traz um mapeamento de questões e autores contemporâneos extremamente rico.

KANDJIMBO, Luis. Filosofemas africanos. Ancestre, 2021.

 Ainda são raras as obras filosóficas de filósofas africanas lusófonas, por isso o livro Ondjango de Arminda F. Filipe é objeto de desejo de 10 entre 10 pessoas interessadas no tema no Brasil. O trabalho de escritoras como Paulina Chiziane e Odete Semedo podem ser um caminho para pensar com as mulheres africanas.  

FILIPE, Arminda Fernando. Ondjango: Do espaço público tradicional angolano-Alguns contributos para a Filosofia social e política africana. 2017.
CHIZIANE, Paulina. Niketche: uma história de poligamia: romance. Leya, 2002.

É também incontornável o trabalho de Maria Paula Menezes e o livro Epistemologias do Sul (que organizou com Boaventura de Sousa Santos) efetiva sua proposta de diálogos Sul-Sul.

  SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula. Epistemologias do Sul. São Paulo; Cortez; 2010.

Textos de autores clássicos como Amílcar Cabral, Mario de Andrade, Eduardo Mondlane podem ser encontrados na coletânea fundamental Malhas que os impérios tecem de Manuela Ribeiro Sanches.

SANCHES, Manuela Ribeiro. Malhas que os impérios tecem: textos anticoloniais, contextos pós-coloniais. Lisboa: Edições 70, 2011.

Autores como Luca Bussotti (que hoje trabalha no Brasil), Roberto Mancini e Patrícia Godinho Gomes também são companheiros de viagem que podem ajudar na aproximação da filosofia africana lusófona.

É claro que existem textos e autoras e autores que não conheço ou tenho acesso (como o livro sobre Filosofias da Imigração – cosmopolitismo versus comunitarismo da cabo-verdiana Irene dos Santos Cruz), por isso mesmo ampliar os diálogos é fundamental.

 O site filosofia pop provavelmente também será um companheiro incontornável (seja pela série de entrevistas Djemberém[1] ou pelos textos de Severino Ngoenha etc.). Menção honrosa também para a série de entrevista sobre a COVID-19 em África desenvolvidos no podcast Vozes da UNILAB com episódios com Severino Ngoenha, Filomeno Lopes, Elisio Macamo e Maria Paula Meneses: http://vozesdaunilab.unilab.edu.br/index.php/tag/covid-19/.  

p.s: o livro Afrocentricidade:  Complexidade e Liberdade de Egimino Mucale é uma referência importante para quem quer conhecer o modo como essa proposta de pensamento tem sido recontextualizada em Moçambique.


[1] Os episódios com Severino Ngoenha (Moçambique), Filomeno Lopes (Guiné Bissau), José Paulino Castino (Moçambique) e Luiz Kandjimbo (Angola) e Arminda Filipa (Angola) podem ser acessados aqui: https://filosofiapop.com.br/tag/djemberem/ 

Marcos Carvalho Lopes

Um Comentário

  1. Respeitosos cumprimentos, caríssimos companheiros das letras africanas dentro do conceito filoluso africano. Recebam a minha gratidão e vontade de fazer parte de uma dos vossos alunos. Mui respeitosamente.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *