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Uma canção é pra isso

Marcos Carvalho Lopes

Escrever sobre canções é um pecado cada vez mais comum e perdoável. Isso depois que Bob Dylan lançou o seu livro The Philosophy of Modern Song em que comenta diversas canções que de certa forma o marcaram. Bob Dylan é considerado o grande nome da canção moderna e ter ganhado o Nobel de literatura é um reconhecimento desta posição estranha. Mas quem procurar no livro do Dylan uma definição do que é a canção moderna vai se decepcionar. Mas se seguir o roteiro e os comentários do autor pode buscar um tipo de experiência que as canções modernas buscam.

Dylan era roqueiro, mas quando foi para a faculdade se aproximou da literatura beat e da canção folk de protesto. Incorporou o enigma existencialista e o desafio da angústia da busca por autenticidade de um modo radical, isso porque não sendo um grande instrumentista ou um grande cantor, conseguiu criar uma conexão entre letra, música e performance que o fizeram alguém que tra(du)z um modo de vida (ou melhor, inventa). O exemplo paradigmático desta força está na canção “Blowin’ In The Wind”, que encena diversas preguntas cuja resposta devem ser buscadas naquilo que o vento sussurra.  É um artificio que coloca o ouvinte na condição de quem deve traduzir/recriar o sentido daquilo que é dito, o que pode ser feito tanto em sentido pessoal como político. Essa abertura da letra permite que a canção multiplique os seus sentidos, que não se feche e que peça a colaboração do ouvinte para se realizar. A canção tornou-se uma possibilidade de epifania singular.

Se o rock era um ritmo quente e pouco crítico que havia praticamente desaparecido no início da década de 60, sua volta com os Beatles só ganhou força quando o ciúme fez com que buscassem imitar a força das letras de Dylan e que esse, por sua vez, tentasse retomar a guitarra e o rock. Mas essa é uma explicação muito rápida e incapaz de dar conta do desejo.

Mas para que serve uma canção? Quais as canções que traduzem seu agora? Que canções pensam o país e o mundo? Que canção te vem quando está triste? Alegre? Que te faz dançar? Pensar? Qual canção te traduz? Podemos falar de um inconsciente musical que foi recriado em cada nação em diversas luta por liberdade e pelo direito de viver o desejo.

Marcos Carvalho Lopes

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