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Temas, correntes e posições de filósofas africanas-I

Luís Kandjimbo |*Escritor

Hoje, convido o leitor para um outro exercício que consistirá em apreciar a paisagem ilustrativa, dominada por mulheres filósofas, numa focagem particular do seu desdobramento geracional, tendo em conta os temas, as correntes, as posições que concorrem para a sua inscrição no campo da Filosofia Africana.

Marginalização de filósofas

O problema da marginalização das mulheres no campo da Filosofia não tem merecido a atenção devida, no nosso País. Ao nível continental e internacional,o tema tem vindo a atrair o interesse de homens e mulheres.Quando, em 2011, a UNESCO decidiu apoiar a iniciativa de publicação da revista da Rede Internacional de Mulheres Filósofas, o órgão colegial dessa plataforma contava com a presença de seis filósofas africanas, nomeadamente, Khadija Amity(Marrocos), Irma Julienne Angue Medoux(Gabão), Laurentine Awono(Camarões) Hourya Benis Sinaceur(Marrocos), Tanella Boni (Costa do Marfim)e RamatoulayeDiagne (Senegal).

Em 2016, foi realizado um colóquio internacional que teve lugar na Universidade de Calabar, Nigéria. O filósofo nigeriano Jonathan O. Chimakonam, um dos seus organizadores, justificava a pertinência do tema considerando que tal “marginalização epistémica” era susceptível de ser identificada em diversos veículos e discursos produzidos por homens, através dos quais se transmite a falsa ideia de que as mulheres são incapazes, ou pelo menos não suficientemente capazes, de rigor intelectual ou empreendimento cognitivo em geral.

Com o referido colóquio procurava-se responder a questões respeitantes às causas históricas e contemporâneas da exclusão das mulheres na filosofia africana. Os organizadores do referido evento invocavam razões que podiam convocar a “inferiorização colonial e a domesticação das mulheres africanas”, além da”exclusão colonial das mulheres do sistema educativo formal”.

No decurso do ano passado, fiz referências a Aréte de Cirene (400–340 a.C) que, sendo filósofa africana,  não é identificada como tal na historiografia da filosofia ocidental do século IV a.C. Era filha e discípula de Aristipo de Cirene, o fundador da escola cirenaica. Aréte de Cirene dedicou-se ao ensino da filosofia geral e da ética durante mais de trinta anos. Esbocei igualmente um breve perfil da falecida decana de filósofas africanas, a nigeriana Sophie Oluwole (1935–2018). Mencionei ainda o nome da falecida filósofa senegalesa AminataDiaw Cissé (1959–2017), que integra a seguinte geração de filósofas.

Por isso, convido o leitor para um outro exercício. Trata-se de olhar para uma paisagem ilustrativa, dominada por mulheres filósofas, numa focagem particular do seu desdobramento geracional, tendo em conta os temas, as correntes e as posições que concorrem para a sua inscrição no campo da Filosofia Africana. São elas: Arminda Fernando Filipe, angolana;Irma Julienne Angue Medoux, gabonesa; Melika Ouelbani, tunisina;NkiruNzegwu, nigeriana; Ramatoulaye  Diagne Mbengue,senegalesa;Tanella Boni, costa marfinense (na imagem).

A decana

Sophie Obasede Oluwole (1935-2018) foi a primeira mulher nigeriana a obter o doutoramento em filosofia pela Universidade de Ibadan, na década de 80 do século XX, com uma tese sobre metafísica e ética ocidental. Foi chefe de Departamento de Filosofia na Universidade de Lagos e Presidente da Associação Nigeriana de Filosofia. Publicou vários livros importantes de que destaco apenas um: “Socrates and rúnmìlà: Two Patron Saints of Classical Philosophy” (Sócrates e Ọ̀rúnmìlà: Dois Santos Padroeiros da Filosofia Clássica), 2014. É uma das mais brilhantes e singulares vozes da corrente hermenêutica da filosofia africana.

Arminda Filipe

Natural da província do Kwanza-Sul, obteve a licenciatura e o mestrado em Filosofia na Universidade Católica do Porto, tendo-se doutorado pela Universidade do Porto. É certamente a primeira angolana doutorada em Filosofia. A filósofa Arminda Filipe é uma voz angolana que intervém nos debates  que se desenvolvem no campo da filosofia política com o seu livro “Ondjango: Filosofia Social e Política Africana”, publicado em 2018. Elege como problema a instituição “ondjango”. Trata-se da tematização de uma instituição do poder tradicional e da actividade argumentativa que nela se realiza.

Tanella Boni

Nasceu na cidade de Abidjan, em 1954. Formou-se em filosofia clássica pela Universiade Sorbonne, Paris-IV, onde obteve o doutoramento em 1987. É professora de filosofia na Universidade de Cocody, em Abidjan, onde chegou a ser decana da Faculdade de Letras e chefe do Departamento de Filosofia e membro da Rede Internacional de Mulheres Filósofas e directora da Federação Internacional de Sociedades Filosóficas. Entre 1992 e 1998, foi Directora de Programa no Colégio International de Filosofia, em Paris. Enquanto escritora cultiva diferentes géneros literários, tendo obra publicada, constituída por vinte livros nos domínios da poesia, romance e ensaio que suscita a atenção da crítica. Partindo do pensamento de Platão e Aristóteles desenvolve reflexões com as quais pretende explicar e combater injustiças.Entre os seus temas predilectos, destacam-se temas como o papel de África no processo de globalização, a sexualidade da mulher, a arte, a crítica literária,a cultura de direitos, a solidariedade e a relação entre ética e política. A articulação da filosofia e da crítica literária consiste, por exemplo, em mostrar que, em África, à margem das reflexões filosóficas, são os textos literários que nos falam sobre os benefícios ou malefícios da solidariedade num ambiente familiar ou social ou numa perspectiva intergeracional como um vínculo que une os vivos e os mortos.

Nkiru Nzegwu

A nigeriana NkiruNzegwu nasceu em 1954. É professora de Estudos e Filosofia Africana, Interpretação e Cultura na Universidade de Binghamton, Nova York, e fundadora do Centro de Recursos de África, um portal educacional on-line que publica revistas premiadas com revisão por pares e bancos de dados e distribui-os através da plataforma Knowledge Project Africa. Publica artigos e livros nas áreas da Filosofia Feminista Africana e Arte Contemporânea das Diásporas Africanas. Entre outros livros, destacam-se “Questões Familiares: Conceitos feministas em Filosofia Africana da Cultura” (2006);em co-edição com o falecido professor nigeriano Isidore Okpewo, “A Nova Diáspora”, 2009; “Texturas Contemporâneas: Multidimensionalidade em Arte da Nigéria”, 1999;”Questões de Arte Contemporânea Africana”, 1998. A sua actividade de docência e investigação tem sido desenvolvida sobre diferentes temas, convergindo em problemáticas que exploram  as tradições intelectuais africanas, a arte africana e a artes das diásporas, o feminismo e estudos sobre mulheres africanas.

Aminata Diaw-Cissé

A malograda Aminata Diaw-Cissé(1959-2017)fez os estudos superiores na Universidade de Nice, em França, onde defendeu a sua tese de doutoramento em Filosofia. Em vida, foi professora do Departamento de Filosofia da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Cheikh Anta Diop, em Dakar. Dirigiu o Centro de Pesquisas em Filosofia e Epistemologia da Escola de Pós-Graduação em Humanidades e Sociedade, desde Julho de 2009. Em 1986, assumiu o cargo de presidente da Subcomissão de Ciências Humanas e Sociais da Comissão Nacional da UNESCO do Senegal e de vice-presidente da Associação de Pesquisas da África Ocidental. Foi secretária-geral do Conselho Senegalês de Mulheres e presidente do seu Comité Científico. Em 2004, assumiu as funções de responsável de Reuniões e Intercâmbio da Bienal de Dakar. Desempenhou igualmente o cargo de directora de Actividades Culturais e Científicas da Universidade Cheikh Anta Diop. Foi vice-presidente do Comité Científico do CODESRIA. A Filosofia Política era o seu domínio de interesse, pesquisa e publicações.

Ramatoulaye

Diagne Mbengué

Ramatoulaye Diagne Mbengué nasceu em 1963, na cidade de Dakar.Realizou os estudos secundários e superiores em França, tendo obtido o seu doutoramento em filosofia pela Universidade de Sorbonne, Paris-IV. É uma filósofa senegalesa, irmã do filósofo Souleymane Bachirb Diagne. De 1991 a 1995, foi professora de filosofia na escola secundária Lamine Guèye, em Dakar. Transitou para a carreira docente universitária quando se tornou assistente no Departamento de Filosofia da Universidade Cheikh Anta Diop. Em 2010, ascendeu à categoria de professora titular, tendo sido nomeada directora da Escola de Doutoramento para o Estudo do Homem e da Sociedade. Posteriormente desempenhou o cargo de presidente da Sociedade Senegalesa de Filosofia. É autora de várias obras, nas quais destaca particularmente os contributos de filósofos africanos para o desenvolvimento do pensamento filosófico. Em 2017, assumiu o cargo de Reitora da Universidade de Thiès, criada em 2007.

Irma Julienne

Angue Medoux

Doutorada em Filosofia com uma tese de doutoramento que problematiza a ciência, a fé e a solidariedade à luz da crítica de Richard Rorty sobre a tradição realista da verdade, analisando as suas implicações epistemológicas. Distingue-se como especialista da obra do filósofo norte-americano Richard Rorty.Vinculada ao Departamento de Filosofia da Universidade Omar Bongo, em Libreville, é professora de Filosofia da Cultura e Comunicação e membro do Centro de Estudos e Pesquisas de Filosofia. No plano editorial é responsável da             colecção”Mulheres africanas” da editora francesa L’Harmattan.Publicou:”Richad  Rorty. UmFilósofo Consequente”,2009; “Richard Rorty. O Fim da Metafísica e da Pragmática da Ciência” (com JR EyeneMba), 2007; “Advocacia para a Igualdade das Mulheres”, 2011.

Explora os seguintes domínios de pesquisa: Filosofia americana, Filosofia contemporânea, Filosofia da Cultura e das Questões de Género.

A propósito do tópico, Irma JulienneAngue Medoux escreveu o seguinte, no artigo publicado na revista da Rede Internacional de Mulheres Filósofas: “Só se reconhecermos em cada mulher a capacidade de ser tal filósofa é que poderemos garantir, através da lei e da prática, o acesso à igualdade social e, com isso, a emancipação. Para produzir esse reconhecimento, as mulheres que já se reconhecem como filósofas devem ser capazes de fazer com que homens e mulheres reconheçam a verdade do seu julgamento”.

 Melika Ouelbani

Nasceu em 1953, na cidade de Tunis. Após a defesa da tese de doutoramento de Terceiro Ciclo sobre lógica e matemática com Gottlob Frege, em 1978, na Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade de Tunis, dez anos depois defendeu a tese de doutoramento de Estado sobre a obra do filósofo Carnap.Melika Ouelbani é uma filósofa tunisina e francesa que desenvolve um trabalho que a inscreve na corrente analítica. As suas atenções concentram-se em torno da Lógica, Epistemologia e Filosofia da Linguagem. Durante muito tempo foi docente da Faculdade de Humanidades e Ciências Sociais da Universidade de Tunis. A partir de 2006 passou a exercer a docência na Universidade de Paris-Sorbonne, tendo sido Presidente da Sociedade de Filosofia Analítica.

A sua obra publicada tematiza basicamente o pensamento de filósofos analíticos: “O Projecto Construcionista de Carnap: suas origens e seus problemas”, 1992; “O Dizível e o Cognoscível: Kant e Wittgenstein”, 1996; “Experiência e Conhecimento em B. Russell”, 1999; “Introdução à Lógica Matemática”, 2000; “A Ética na Filosofia de Wittgenstein”, 2004; “O Círculo de Viena”, 2006; “O que é positivismo?”, 2010; “A Filosofia de Wittgenstein”, 2019.

*Ph.D. em Estudos de Literatura, M.Phil. em Filosofia

Publicado originalmente em: https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/temas-correntes-e-posicoes-de-filosofas-africanas-i/

Marcos Carvalho Lopes

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